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Cultura

Celeste Afonso: “Em Leiria todos os dias há música na cidade”

Responsável pela candidatura de Leiria a Cidade Criativa da Música da UNESCO, Celeste Afonso garantiu a designação e fala com entusiasmo sobre o próximo passo do desafio para que foi convidada: construir uma estratégia para levar longe a música de Leiria em Portugal e internacionalmente.

Responsável pela candidatura de Leiria a Cidade Criativa da Música da UNESCO, Celeste Afonso ainda não tem a confirmação de que ficará à frente do projeto, agora que a designação foi atribuída. Mas fala com entusiasmo sobre o próximo passo do desafio para que foi convidada: construir uma estratégia para a música de Leiria. Uma realidade que desconhecia e que a surpreende diariamente. Agora, quer ajudar a música do concelho a chegar mais longe, tanto em Portugal como no estrangeiro

Manuel Leiria Jornalista manuel.leiria@regiaodeleiria.pt

Começando pelo “1%” que, no verão, disse serem as possibilidades de Leiria para ser escolhida: afinal, as notícias da morte da candidatura a Cidade Criativa da Música eram manifestamente exageradas…
Quando disse isso era mesmo a minha convicção! Tínhamos uma excelente candidatura, não tinha dúvidas. Mas quando soube que havia apenas duas vagas, o entusiasmo arrefeceu completamente. Portugal já tinha duas Cidades Criativas da Música. Para mim, nesta ‘mania’ de pensar estrategicamente, não fazia sentido escolherem uma terceira em detrimento das outras áreas. E não tinha dúvida que Caldas da Rainha seria escolhida, porque era uma candidatura forte, por todo o trabalho feito – e porque Portugal precisava da candidatura de Caldas da Rainha. Mas, por outro lado, avançaram duas cidades em áreas que já tínhamos também: Palmela, na música, e Póvoa do Varzim, na literatura. Se houvesse outras áreas onde não tivéssemos nenhuma cidade, tinha sido muito difícil ganhar. Politicamente, também me disseram que não devia dizer aquilo do 1%, mas havia que refrear os ânimos. Estávamos muito eufóricos.

O que pesou para a UNESCO?
Foi tudo: a paixão e emoção que estavam na candidatura, a acompanhar os argumentos que apresentámos. Somos uma cidade criativa da música, mas que se estende a todas as áreas. Dizê-lo com paixão pesou muito.

Isso fez a diferença?
Quando a nossa candidatura passou, da Comissão Nacional disseram-me para tornar a candidatura mais objetiva, porque candidatura ia cheia de paixão e emoção. Mas recusei-me a fazê-lo. Porque Leiria é tudo isto mas com paixão. Recordo-me de outras circunstâncias em que foi a paixão das candidaturas que faz a diferença. Hoje fico feliz por não ter retirado a parte mais emotiva da candidatura. 

Este é um reconhecimento ou um estímulo para Leiria?
As duas coisas. Leiria precisava deste reconhecimento. Sinto os leirienses orgulhosos. O nosso trabalho, aquilo que fazemos, teve eco internacional, ao nível da UNESCO. É também uma motivação para fazermos o plano que traçámos.

O que acontece agora?
Temos de constituir a Cidade Criativa da Música, com um espaço físico, uma estrutura municipal onde haja pelo menos um coordenador e uma outra pessoa. A partir desse espaço será feita a gestão de todo plano estratégico apresentado. Muito importante é a candidatura ter sido aprovada por unanimidade em sessão de câmara e em assembleia municipal: independentemente de quem estiver à frente do município, a estratégia é assumida por todos. Essa é a parte mais visível. Depois há a gestão de toda esta criatividade…

…que surge da iniciativa privada.
Essa é a grande vantagem de Leiria. O executivo não tem de programar nem pensar programação, como outros, onde não há quem faça e tem de ser o município a fazer. Leiria tem a vantagem de criar condições para que tudo isto aconteça. Ainda bem que há toda esta atividade privada, de associações, grupos… Sente-se que há muita coisa a acontecer, mas está tudo disperso. É necessário que haja um fio condutor para que todos programem e criem para o mesmo fim. E esse fim é um ambiente multicultural, ajudando a criar uma cidade mais feliz, mais criativa, cosmopolita mas também muito local.

O ideal era ter todos os dias o “Há Música na Cidade”?
Não sei se era. O “Há Música na Cidade” é extraordinário. Em todas as reuniões que tive me falavam desse acontecimento e este ano pude testemunhá-lo ao vivo. Mas em Leiria todos os dias há música na cidade – e quando digo cidade, digo em todo o concelho. O que vivemos no “Há Música na Cidade” vive-se diariamente pelo concelho, embora não com a mesma concentração. Por outro lado, esse ambiente não é apenas da música: é da música, é da dança, é do teatro, é das artes plásticas, é da literatura, do craft [artesanato]. Tudo isto está em ebulição. Mas para que todos não trabalhem dispersamente, esta candidatura prevê um espaço e uma coordenação que articule as várias áreas.

Como?
Através de concursos, a nível nacional e a nível internacional. A nível nacional, para que as associações trabalhem mais entre si; a nível internacional, para que trabalhem com as outras Cidades Criativas e com instituições de países da CPLP [Comunidade de Países de Língua Portuguesa].

Essa vai ser a prioridade?
É um dos eixos. Outro é um dos aspetos muito fortes da candidatura, porque é algo muito forte em Leiria: a música ao serviço da sociedade, como musicoterapia e inclusão. Leiria é mesmo pioneira aí. Por isso, temos um eixo que passa pela criação de um laboratório onde a música erudita, a música clássica articule com todas as outras áreas para a inclusão, seja o trabalho com idosos, com presos… Nada disto é novo, mas temos de perceber como é feito e como podemos potenciar mais, envolvendo outras instituições.

Além da SAMP…
Sim, da SAMP e do Orfeão de Leiria, que também tem trabalho nessa área. Na dança, a Clara Leão também tem feito muito isso, mas falta-lhe estrutura para o fazer a outro nível. Queremos criar condições para que quem o faz, o faça com outras condições. E para quem ainda não o faz e quer fazer, avance. Também falta perceber quanto vale a música e a cultura em termos económicos. Sabemos quantas escolas existem, quantos músicos, mas não sabemos o impacto económico e até social que tudo isso tem. Precisamos de medir esse impacto e criar indicadores que permitam avaliar o impacto da música e da cultura em geral na vida das pessoas e da economia. Por isso, outro eixo é a criação de um observatório, aproveitando a Rede das Cidades Criativas, pelo menos a nível das outras Cidades Criativas da Música. É talvez a parte mais ambiciosa do nosso plano.

Voltando ao “Há Música na Cidade”: Leiria Cidade Criativa da Música vai permitir que um evento como esse seja regular?
Quando temos candidaturas de pequena ou grande escala, o que se pretende é que o projeto que seja apoiado se desenvolva para um grande projeto. Ou seja: isto vai fazer com que tenhamos grandes e espetaculares momentos! Se é o ‘Há Música na Cidade’ ou se é outra coisa, não sei. Teremos de ser todos a pensar: queremos um grande evento que junte tudo isto ou vamos potenciar algum dos eventos que já existem? Além disso, definimos que o apoio não será a 100%. Os projetos de pequena escala serão apoiados a 75% e os de grande escala a 50%, isto para que haja proatividade por parte das instituições e das pessoas, para que não sejam 100% dependentes.

Há orçamento previsto?
O que temos na nossa candidatura são 610 mil euros para um ano. Mas falta ainda outro eixo: Leiria tem 11 bandas filarmónicas, várias centenárias. Temos de olhar para esse mundo e perceber o que podemos fazer. Não há formação de músicos filarmónicos e, portanto, estamos a criar um curso de músico filarmónico certificado. Estamos a trabalhar nisso com a ANQEP [Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional] e o Ministério da Educação. É um processo longo, porque estamos a fazer tudo de novo. Mas as bandas estão muito entusiasmadas e a trabalhar em rede neste processo, que é outro dos objetivos desta candidatura. Elas estão a ser um exemplo de como podemos olhar para nós, repensarmos e percebermos que, juntos, conseguimos fazer melhor.

Quando terá início o curso?
O nosso objetivo é seja no ano letivo de 2020/2021. Até agora estivemos a identificar cada banda, tipo de aluno e os maestros estão a reunir referenciais. Depois temos de reunir com a ANQEP para a certificação do projeto.

Que reações teve por parte da comunidade artística? Quando apresentou o resultado de nove meses de investigação no Moinho do Papel, tocou em pontos sensíveis, no que toca a fraquezas e ameaças.
Algumas instituições ficaram ofendidas porque não as referi naquele momento. A quem teve a hombridade de me enviar um e-mail a referir que existiam e que eu não os conhecia e a outros que comentaram o seu desconforto, respondi, explicando que aquilo que foi dito ali foi uma ínfima parte da candidatura. Tenho consciência que foram ali ditas algumas coisa que são factos mas que deixavam algumas pessoas desconfortáveis. Mas não me disseram nada sobre isso. As reações que tenho tido são as mais positivas.

Que adesão espera que haja à Cidade Criativa da Música?
Toda. Da comunidade artística, o que me tem chegado é felicidade e euforia total. Espero que a euforia continue. Mas isso vai ter muito a ver com o que façamos a partir de agora. Este orgulho tem de ser exposto: o selo da Cidade Criativa da Música não deve ser usado apenas pela câmara municipal, todos os agentes culturais devem exibir esse selo. Vamos reunir com cada um deles, apresentar-lhes em concreto o nosso plano.

Há poucas semanas anunciado um acordo entre outras Cidades Criativas portuguesas. Leiria vai fazer parte dele?
É a Universidade do Minho que está a desenvolver isso e, por um lado, fico muito feliz, porque acompanhei esse processo no seu início. Mas fiquei preocupada porque li que esse grupo estaria a apoiar a candidatura de Braga a Capital Europeia da Cultura. Não faz sentido nenhum que assim seja. Mas faz sentido que, antes de fazermos parte de uma rede internacional, tenhamos uma rede nacional e, por sua vez, uma rede regional e uma rede local. 

Com Leiria e Caldas da Rainha, que se juntam a Óbidos, o distrito passa o que tem mais Cidades Criativas. Vai haver uma mini-rede distrital?
Só faz sentido pensar em mini-rede porque ela está numa outra rede, a Rede Cultura 2027. Ao trabalhar com estas três cidades, acredito que haja um trabalho potenciado a partir daqui. Não acredito que se potencie uma relação só porque estamos no centro, mas sim porque estamos integrados num projeto maior, que é a Rede Cultura 2027.

A “elevação” de duas cidades da Rede Cultura 2027 a Cidades Criativas é um bom prenúncio para o projeto de candidatura a Capital Europeia da Cultura?
Não volto a dizer que só temos 1% de hipóteses [risos]. É prenúncio pelo menos de uma coisa: este território está a agigantar-se e isso sente-se dia a dia. Administrativamente não existe, mas já se sente enquanto rede. São passos pequenos, que aparentemente ninguém percebeu. Mas o trabalho que o Paulo Lameiro e a equipa dele estão a fazer no terreno tem trazido frutos. O facto das duas Cidades Criativas deste ano serem deste território é um sinal que deve ser entendido como: “Prestem atenção porque alguma coisa de muito importante está a acontecer ali, nestes municípios”. Neste território isso está a acontecer, sem eventos de massas, mas conseguindo tocar cada um. É um excelente prenúncio. 

Quando chegou assumiu que desconhecia tudo quanto acontecia em Leiria na música. E, sublinhou, o país também o desconhece. Isso vai mudar? A música pode mesmo passar a ser conhecida como a cidade da música?
Leiria tem de ser conhecida como Cidade Criativa da Música. Tem de ser olhada como o local onde acontecem coisas diferentes ao nível da música. A Cidade Criativa vem trazer isto. Todos os anos vamos ter de levar projetos aos encontros internacionais. E a nível nacional tudo vai começar a acontecer. Há um ano, quando cheguei para este projeto, não sabia o que acontecia em Leiria. A minha urgência desde essa altura é: as pessoas que estão fora têm de saber o que acontece em Leiria. O que eu perdi por não saber o que se passava cá!

Celeste Afonso, professora no Agrupamento de Escolas Josefa de Óbidos, está requisitada para o projeto Leiria Cidade Criativa da Música. Esta é a segunda vez que lidera o processo de elevação a cidade criativa: em 2015, obteve para Óbidos o título de Cidade Criativa da Literatura. Em Óbidos, onde vive e onde foi vereadora, esteve também ligada ao lançamento do Folio – Festival Literário Internacional. O sucesso obtido no processo das Cidades Criativas fez com que já recebesse convites de outras autarquias para novos projetos. Mas recusou: prefere ajudar a concretizar o plano desenhado para levar mais longe a música de Leiria


Secção de comentários

  • Bruno Rodrigues disse:

    Leiria é uma cidade de música dentro das várias vertentes culturais! Quando a Sra Celeste afirma isso, julgo que tem noção dessa afirmação e concordo plenamente, mas se a nível autárquico não precisa haver planeamento, já os privados têm de o fazer, porque precisam se licenças, tipo Spa, Pass-Music, licença camarária…. Tudo muito bem para não parecer a bandalheira total, mas deixo uma pergunta…. Existirá algo em mente para que os privados continuem a apostar nestes eventos, não me refiro a apoios para contratar artistas… Mas apoios no pagamento de todas as licenças necessárias, uma especie de simplex. Visto que somos a cidade da música…. Mas a cidade somos nós….

    • Celeste fonso disse:

      Caro Bruno Rodrigues.
      Esta sua proposta é extremamente pertinente e merece ser estudada.
      Só lhe posso dizer que A Cidade Criativa da Música será o que os Leirienses quiserem que ela seja. Haverá reuniões abertas a todos para que possam apresentar as suas preocupações, as suas ambições… depois, a equipa executiva trabalhará nesse sentido. Se os leirienses assumirem mesmo este título como seu e se envolverem no processo, acredito que a Cidade Criativa da Música será um instrumento extraordinário para dar resposta a muitas situações.

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