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Cultura

Teatro Eduardo Brazão. A joia do Bombarral faz cem anos

Por ali passaram já nomes maiores do teatro nacional. Este sábado, 27 de fevereiro, comemoram-se no Bombarral os cem anos do vistoso e elegante Teatro Eduardo Brazão. Mas a celebração é apenas simbólica: a pandemia obriga a adiar a festa programada.

Vitorino chegou ao fim da tarde para o “sound check”. Aproximou-se da boca de cena e experimentou, a capella, a acústica da sala. “Ficou tão impressionado que mandou o pessoal dele desmontar as torres que tinham instalado horas antes no palco. Não era preciso: ia cantar mesmo assim, só com amplificação para alguns instrumentos e, quando acabasse o espetáculo, iam embora mais depressa, disse ele”, recorda, divertido, Rui Viola, descrevendo uma das características pelas quais se destaca o Teatro Eduardo Brazão: a acústica, “absolutamente excelente e elogiada”, é potenciada pela configuração do espaço e pelo facto do belíssimo interior ser todo em madeira.

A outra característica especial da sala é a intimidade. “Pela dimensão, pela escala, quando as coisas estão a acontecer em palco, é como se estivéssemos todos muito íntimos uns dos outros, algo que nos faz muita falta nestes tempos”, conta o presidente da União Cultura e Recreativa do Bombarral, que gere este teatro, uma reluzente joia do património do distrito de Leiria.

Por aquele palco passaram grandes nomes da cultura nacional, do próprio Eduardo Brazão a António Vitorino d’Almeida, passando por Vasco Santana, Ribeirinho, Laura Alves, Marina Mota, Fernando Mendes ou António Calvário, entre tantos outros nomes da cultura mais popular mas também da erudita.

O teatro do Bombarral completa este sábado, 27 de fevereiro, cem anos de existência. Há cerca de um ano, o jantar do 99º aniversário revelou-se uma bela e concorrida festa. Lançou-se ali, naquele 29 de fevereiro de 2020, a programação comemorativa do centenário. Mas depois veio a Covid-19 e o Teatro Eduardo Brazão teve de encerrar portas. Até hoje.

“Foi tudo ótimo e era bastante promissor, mas duas semanas depois estávamos em pandemia”, recorda Rui Viola.

Imóvel de Interesse Público, o Teatro Eduardo Brazão foi inaugurado a 27 de fevereiro de 1921. De tradição italiana, tem planta em ferradura e elementos decorativos de influência neobarroca, neoclássica e arte nova. Pode dizer-se que é, em si mesmo, um espetáculo dentro de uma sala de espetáculos. Mas o centenário deste espaço único terá de ser lembrado simbolicamente.

“Havia uma vasta programação, estas semanas eram para ser de grande comemoração. Mas foi tudo anulado”, lamenta. Para marcar a data, há reunião de direção aberta aos restantes órgãos sociais: 20 pessoas onde cabem 280. “Nem uma assembleia geral com sócios podemos fazer…”.

Pela internet será transmitido mais tarde, dia 27 de março, um espetáculo
com o artista Fernando Pereira, assinalando o aniversário e, também, o Dia Mundial do Teatro. “Os fundos obtidos serão encaminhados para a União Audiovisual, para serem distribuídos pela comunidade de artistas do Oeste”.

Cem anos depois, os responsáveis assumem quatro prioridades para atividade do teatro:

A primeira é garantir a conservação do edifício, que na década de de 90 esteve em perigo. “Até chovia lá dentro, estava mesmo em risco de ser inexorável a degradação”.

A gestão atual tem como prioridade evitar que o edifício regresse a esse estado. Hoje há um cuidado extremo na preservação. “Quando fazemos um espetáculo num sábado à noite, na segunda ou terça-feira todas as cadeiras são aspiradas individualmente, para não apresentarem aquele aspeto ruço de outros sítios”. Em utilização há 14 anos, “estão como se fossem novas”. Atualmente, a direção está a juntar dinheiro para pintar a fachada norte.

Outra preocupação é manter uma programação eclética e regular, que vai do teatro de revista a concertos da Semana Internacional do Piano de Óbidos. “Esse objetivo estava a ser conseguido. Há uma série de anos temos mantido uma programação bimensal, com teatro, música, exposições”.

Também a formação teatral integra a missão da equipa que gere o Teatro Eduardo Brazão, através de workshops de iniciação, que foram alargados nos últimos anos também a crianças.

Por fim, no Bombarral tenta-se atrair até ao teatro os habitantes estrangeiros que se fixaram no Oeste. Antes da pandemia, “era uma tendência crescente, até para se aproximarem da língua portuguesa”, explica o presidente. Essa intenção “ainda não está no seu pleno”, mas “vários casais estrangeiros ganharam já o hábito de aparecerem nos espetáculos”.

Sobretudo, o Teatro Eduardo Brazão é uma referência para todos os habitantes. “A maior parte das pessoas do Bombarral tem uma história para contar relacionada com o teatro”. Uns dançaram ali nos bailes das décadas de 60, 70 e 80, outros foi lá que viram teatro pela primeira vez “e outros até se conheceram e namoraram lá”.

“Este teatro é um pouco de toda a gente porque toda a gente tem um pouco de si lá e ele faz parte da vida de todos”, realça Rui Viola.

Eduardo Brazão, ator que brilhou entre o final do século XIX e o início do século XX, dá nome à sala mas não tem qualquer ligação ao Bombarral. “Era uma superstar na época e, como era famoso, foi convidado a dar nome ao teatro. E terá dito que sim”, explica o presidente da União Cultura e Recreativa do Bombarral.

Anrique da Mota, poeta que viveu nos séculos XV e XVI, precursor de Gil Vicente, é do Bombarral e há planos para trabalhar os seus textos no Teatro Eduardo Brazão.

“A sua obra está no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende e é um escritor pré-vicentino, com obra que vem da tradição da poesia trovadoresca. Estamos a tentar forma de incluir o trabalho dele na nossa formação teatral”, avança Rui Viola, assumindo essa intenção de “recuperar a obra e a imagem de um bombarralense ilustre, que privou com a rainha D. Leonor”. 

Enquanto isso não acontece, no Bombarral alimenta-se agora a esperança de reabrir portas ainda este ano. E permitir, assim, que o público volte a usufruir desse privilégio que é sentar nas aveludadas cadeiras do Eduardo Brazão.

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