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Porto de Mós

“Preciso de médico agora”: Aqui o SNS soçobra e o recurso ao seguro privado é a receita que se segue

Há sete médicos em falta e nove mil utentes sem médico de família, afirma o presidente da Câmara que, atualmente, negoceia um seguro de saúde para os munícipes

Ilídio Calvário, um dos utentes na manifestação da manhã desta sexta-feira

“Preciso de médico agora”. Ilídio Calvário, utente do Alqueidão da Serra, uma das freguesias sem médico na extensão de saúde, repete o que diz o cartaz que segura quando perguntado por que razão foi nesta manhã de sexta-feira, a Porto de Mós, manifestar-se. Depois, detalha: “tenho problemas de diabetes e cardíacos, sou um doente de risco, cheguei de França e, em novembro, fui ao posto médico e o que me disseram é que não havia médico. Que fosse lá daqui a um ano”.

Em Porto de Mós, que em maio de 2019 já foi palco de uma manifestação semelhante que pedia reforço de médicos, a situação é, agora, “muito mais grave”, assegura Jorge Vala, presidente da Câmara, eleito pelo PSD. O autarca garante que as opções que vislumbra para resolver o problema se começam a esgotar.

O diálogo com as estruturas da saúde não tem produzido resultados, aponta. O resultado da degradação da situação concentrou cerca de duas centenas de pessoas em frente do Centro de Saúde local que, pelas contas do presidente da Câmara, corre o risco de fechar portas em breve. Há um médico ao serviço, mas Jorge Vala receia que não aguente a pressão de manter em funcionamento, sozinho, a principal unidade do concelho.

Este cenário preocupa Marta Amaro, utente da USCP de Porto de Mós. “Tinha médico até final do mês de dezembro e desde 1 de janeiro deixei de ter. Estou cá por mim e pelos outros, a união faz a força. Tenho 44 anos tenho uma doença autoimune sem cura, tenho um filho que tem um problema crónico num rim e precisamos de acompanhamento médico que não temos”, explica.

No mapa do Serviço Nacional de Saúde, esta zona do concelho é cada vez mais terra de ninguém, lamenta o presidente da Câmara. Há, todavia, uma zona onde o problema não se coloca. A USF Novos Horizontes, que serve uma parte do concelho (em Pedreiras e Juncal) não tem falta de médicos. Muito graças ao modelo de funcionamento que Jorge Vala gostaria de ver replicado pelo concelho.

Enquanto isso não acontece, há, diz, sete médicos em falta e nove mil utentes sem médico de família. Jorge Vala é um deles. No seu âmbito de ação, para tentar esbater o problema, o autarca confirma que continuam em curso negociações com privados para assegurar um seguro de saúde para os munícipes. Descontos nas consultas e em exames, com recurso aos profissionais de saúde do sector privado existentes no concelho, são as possibilidades em estudo.

Na prática, é uma tentativa de dar a resposta que o SNS não está a dar, reconhece. “Tive uma reunião esta semana com as empresas, estamos a tentar, pagando um pouco mais, melhorar as condições de acesso à saúde, com check-up de diagnóstico com um conjunto vasto de exames com um preço relativamente acessível”, explica. A preocupação maior são os cuidados primários de saúde, frisa. “É um passo importante que vamos dar para, de alguma forma nos substituirmos ao que infelizmente o ministério da saúde não faz”.

“Ao menos é uma tentativa de solução e espero que consiga”, completa a utente Marta Amaro, quando questionada sobre esta possibilidade.

“A situação está muito pior que há três anos”, aponta Ana Margarida Amado, presidente da Ur’gente, de microfone em punho, em cima do palco improvisado, de costas para o Centro de Saúde Porto de Mós e voltada para os utentes que exibem cartazes que reclamam médicos. Minutos antes, nos altifalantes gritavam-se os refrões de sucessos populares de Quim Barreiros. Agora, amplifica-se a reclamação em jeito de slogan: “Olhem para nós, nós somos gente, cuidar da saúde é urgente”.

Há um direito constitucional à saúde que não está a ser assegurado no concelho, enfatiza a docente universitária que lidera a associação de utentes. “Não temos motivações políticas, só temos um objetivo: colocar o utente no coração do sistema de saúde”, sublinhou.

Independente, Filipe Batista, presidente da Junta de Alqueidão da Serra, lamentou, todavia, que a questão continue a ser politizada. Esperava ter visto uma manifestação composta por elementos de várias forças políticas o que não constatou.

“Não entendo como no centro do país, num distrito com qualidade de vida, não se consegue fixar médicos”, desabafou. Flipe Batista manifestou-se sobretudo preocupado com os mais idosos, que moram a dezenas de quilómetros da sede de concelho e que não têm acompanhamento médico.

Antes, Francisco Batista (PSD), presidente da União de freguesias de Arrimal e Mendiga referiu-se a esse sector da população revelando que os encontra deprimidos com a falta de acompanhamento. Numa freguesia envelhecida, “ninguém quer ir viver não tendo condições de saúde”, frisou.

O seu congénere da Junta de Porto de Mós, Manuel Barroso (PSD), reforçou que também às crianças as consultas têm vindo a ser anuladas.

De acordo com os relatos partilhados em cima do palco improvisado junto ao centro de saúde de Porto de Mós, a situação está a degradar-se de dia para dia. O presidente da Câmara lamenta que tenha sido necessário vir para a rua, mas confirma que o cenário de boicote eleitoral anda no ar, opção que, garante, não apoia nem defende.

Poucos metros ao lado, Ilídio Calvário, utente de Alqueidão da Serra, é perentório: “Se for preciso, que ninguém vá votar, para mostrarem a indignação e reparem no nosso problema”.  

O REGIÃO DE LEIRIA questionou a Administração Regional de Saúde do Centro sobre esta matéria e aguarda resposta.

Agrupamento de Centros de Saúde reitera empenho para contratar médicos

Entretanto, a diretora executiva do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Pinhal Litoral reiterou hoje empenho na procura de clínicos para contratar, no dia em que dezenas de populares protestaram contra a falta de médicos em Porto de Mós.

Numa declaração escrita enviada à agência Lusa, Delfina Carvalho assegurou que os responsáveis do ACES não estão de braços cruzados e que continuam “a tentar arranjar médicos para contratar”.

“Solicitámos a colaboração da vereadora da Saúde, dr.ª Telma Cruz, na procura de médicos e enfermeiros. A vereadora ficou, assim, caso conhecesse alguém, de nos informar para propor contrato à ARS [Administração Regional de Saúde do Centro] que nos tem facilitado esta situação”, afirmou Delfina Carvalho.

Além disso, o ACES Pinhal Litoral, que engloba os concelhos de Batalha, Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós, no distrito de Leiria, continua “na procura ativa de outras soluções”.

(Notícia atualizada pelas 16 horas, com declarações da responsável do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Pinhal Litoral, prestadas à agência Lusa)


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