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“As notícias locais vão ser sempre importantes, independentemente das plataformas”

Pedro Jerónimo é investigador do LabCom, unidade de investigação da Universidade da Beira Interior

Do seu ponto de vista, que relevância mantém a imprensa no contexto atual, em que estão disseminadas plataformas diversas de comunicação?

A imprensa, o jornal ou a revista em papel com notícias, mantém-se como um suporte fundamental. Embora hoje se fale muito no digital, nos smartphones ou nos tablets, como importantes plataformas de acesso à informação, ou no TikTok ou no Metaverso, como novas realidades, não nos podemos esquecer que isso não está acessível a toda a população. Nem todos podem ler no digital. E não falo apenas nos mais idosos. A Internet ainda não chega a todos os pontos do País. Como é que as pessoas se informam? Através da televisão, que em Portugal tem uma preponderância muito grande, da rádio e da imprensa.

Como avalia a dinâmica da imprensa local e regional e a capacidade de assegurar as atividades informativa e de escrutínio, nomeadamente no que se refere a esta região de Leiria?

Há territórios mais dinâmicos do que outros em termos informativos e aqui refiro-me a meios que têm jornalistas. No caso de Leiria, felizmente há pluralidade de meios. Nem todas as cidades e até capitais de distritos se podem gabar de ter três jornais, para além de rádios ou meios digitais. Um estudo recente, que coordenei na Universidade da Beira Interior, revelou que cerca de um quarto dos municípios portugueses não têm qualquer órgão de comunicação social e que outros tantos estão em risco de se tornar naquilo que designamos de “desertos de notícias”. Estamos a falar de cerca de 54% dos 308 municípios existentes. Não quer dizer que nunca sejam notícia, porque pode haver um meio vizinho ou até de algum de âmbito nacional que vá falando sobre ele. Mas por vezes só em situações extremas. Veja-se o caso de Manteigas, no distrito da Guarda. Neste Verão foi notícia, por causa dos incêndios. É um dos “desertos de notícias” em Portugal. Sabe como é que a população daquele município se foi informando sobre o evoluir daquela catástrofe? Através do perfil do Facebook do presidente da Câmara, que percebeu que tinha ali uma forma de informar a população e tranquilizar familiares distantes.

Mas regressemos a Leiria. Há dez anos, quando era eu jornalista, na cidade tinham sede cinco jornais: Diário de Leiria, Região de Leiria e Jornal de Leiria, bem como O Mensageiro e A Voz do Domingo, estes últimos extintos pela Diocese de Leiria-Fátima, em 2013. E antes disso ainda chegou a existir o Notícias de Leiria. Esta riqueza de meios resulta não só da visão de várias pessoas em determinados momentos da história, como também da boa dinâmica empresarial que existe no município. E podemos alargar esta leitura ao distrito, que tem outros títulos com nome no setor, como o Gazeta das Caldas, o Região de Cister ou o Jornal da Marinha Grande

Falou em escrutínio. Não é fácil escrutinar os vários poderes existentes, como o político, o económico, o judicial, o policial, o eclesial, etc. Sobretudo quando os jornalistas e os agentes desses poderes vivem uma “proximidade demasiado próxima”. Não quero ser injusto, mas acho que falta mais escrutínio dos poderes. Apesar de já não morar em Leiria há quase quatro anos, leio o que a imprensa regional vai publicando e fico com essa sensação. Poderíamos ficar por aqui, mas como estudioso deste setor, sei que há vários fatores que levam a que a realidade seja esta: a forma como os media se financiam ou a precariedade em que trabalham os jornalistas, determina muito daquilo que é o resultado final. A imprensa regional de Leiria e os seus jornalistas poderiam fazer um melhor trabalho? Estou certo de que sim, caso lhes fossem dadas outras condições. Desde logo um vencimento adequado, mais colegas nas redações e tempo para trabalhar. Leitores mais exigentes e conscientes da importância do jornalismo, também ajudaria. Seja como for, não tenho dúvida nenhuma que Leiria seria bem diferente se porventura fosse um “deserto de notícias”, isto é, em que a comunidade local, municipal e regional desconhece-se o que se vai passando à sua volta. 

Acredita que a imprensa tem condições para cumprir a sua função com a consolidação do paradigma digital?

As notícias locais vão ser sempre importantes, independentemente das plataformas. Um outro estudo, acabado de publicar, revela que quem confia e usa os media tradicionais tende a ter maiores probabilidades de confiar nas autoridades locais e regionais. Ora, se estivermos num cenário de “desertos de notícias”, em que não há meios a fazer o acompanhamento noticioso de determinado concelho ou até se este for completa ou parcialmente invisível à cobertura jornalística, salvo quando há tragédias, então termos menos confiança nas instituições públicas locais e mais desinformação, mais populismo e mais discurso de ódio.

Se me perguntar quais são os fatores que podem ser determinantes para isto, eu responderei os modelos de negócio e as políticas públicas que ajudem à sustentabilidade do setor e também o público. Para uma sã democracia, é bom que haja jornalismo e que este escrutine os poderes. Mas também que haja um público exigente, ativista da crítica e colaborador em ações construtivas. Felizmente Leiria tem um pouco disto, daí ser um “oásis” no cenário da imprensa regional em Portugal. Se poderia estar melhor? Sem dúvida! Mas é igualmente certo que poderia estar muito pior.

Também é verdade que as grandes plataformas digitais, como Google, Apple, Facebook, Amazon ou Microsoft, absorvem a esmagadora maioria do “bolo” publicitário – fala-se em cerca de 95%. Sobra muito pouco para os media noticiosos. Se pensarmos que estes se dividem em termos de formatos (imprensa, rádio e televisão) e escalas (local, regional e nacional), o que chega a cada um são “migalhas”. Veja-se o caso da imprensa regional. Quantas redações têm 10 ou mais jornalistas? Pouquíssimas! Como é que se pode fazer um acompanhamento regular e satisfatório de um distrito com 16 municípios, como é o caso do de Leiria, com uma redação de seis ou sete jornalistas? Já para não falar de constrangimentos a outros níveis, com outros recursos humanos, técnicos e financeiros. Fica difícil o cenário, se pensarmos ainda que após a privatização dos CTT a distribuição piorou e que, por isso, os jornais chegam cada vez mais tarde ou que o preço do papel e dos combustíveis aumentou de forma significativa.

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