Assinar

“O nosso papel é, no meio da gritaria, mediar e explicar às pessoas”

Pedro Miguel Santos é diretor do Fumaça

Do seu ponto de vista, que relevância mantém a imprensa no contexto atual, em que estão disseminadas plataformas diversas de comunicação?

Continua completamente atual. O facto de ter mudado o meio de difusão, não faz perder relevância de forma nenhuma. Isso percebeu-se muito bem com a pandemia. E é importante definir o conceito de imprensa: se estamos a falar num sentido mais lato, acho que não perdeu importância nenhuma, pelo contrário. A maneira como hoje as pessoas entendem o que é a imprensa mudou com a digitalização, com o facto de cada pessoa ter um minicomputador no bolso e poder produzir coisas, vamos chamar-lhe mesmo isso: “coisas”. Passam a ter a capacidade de fazer o que apenas os jornalistas ou quem trabalhava na imprensa, podia fazer. As pessoas que trabalhavam nas televisões, rádios ou jornais é que tiravam fotografias, filmavam, escreviam e difundiam isso. Agora todos podem fazer vídeos, gravar e tirar fotografias, fazer diretos, e publicar com uma linguagem próxima da que a imprensa faz ou fazia.

Essa misturada faz parecer que a imprensa perdeu importância. Mas não perdeu, porque nos momentos de crise, ou muito graves, quando as pessoas precisam de saber o que realmente está a acontecer ou pelo menos ter certezas, sem serem boatos ou uma espécie de “diz que disse”, recorrem às fontes que se habituaram a achar que são minimamente credíveis e vão procurar os locais, nesta altura os sites – para uma geração mais nova – para uma geração mais antiga, as rádios, as televisões.

Não acho nada que a imprensa esteja a perder essa relevância: as coisas mudaram, tornaram-se mais confusas e complexas e parece que no meio desta confusão toda… A imprensa perdeu foi a hegemonia. Deixou de haver um monólogo e agora há uma conversa aos berros e a imprensa está lá também.

Como avalia a dinâmica da imprensa local e regional e a capacidade de assegurar as atividades informativa e de escrutínio, nomeadamente no que se refere a esta região de Leiria? 

Acho que tem condições, mas são mais exigentes. Continuando com a metáfora da conversa aos berros: o problema é quando nós jornalistas e as empresas e projetos, caem na ideia de continuar nesta conversa também, – a querer berrar e a querer fazer o que fazem outros projetos que não fazem jornalismo e que também estão sempre aos berros, – querendo entrar no mundo digital, onde há milhares de pessoas a quererem berrar para se fazerem notar e os jornalistas e o jornalismo e quem faz funcionar as marcas e empresas de comunicação, acham que o caminho é por aí. Julgo que o nosso caminho não é para aí. O nosso papel é, no meio da gritaria, mediar e explicar às pessoas, aos cidadãos e cidadãs comuns, o que é que se está a passar no meio destes berros e desta confusão toda. Sempre foi esse o papel do jornalismo: explicar a confusão do mundo e quem diz a verdade e a mentira, as meias-verdades e meias mentiras. E neste afã de querermos estar em todas e de querer dar tudo, perdemo-nos um bocado. E penso que a resposta é… pelo menos no nosso projeto, o que pretendemos fazer é voltar à base e explicar a realidade ou tentar enquadrá-la de uma maneira que nos leva mais tempo, é verdade, mas que tenta explicar estas conversas e estas gritarias de uma forma um bocadinho mais profunda. O mundo está tão complexo que as pessoas precisam que lhes expliquem essa complexidade.

Acredita que a imprensa tem condições para cumprir a sua função com a consolidação do paradigma digital? 

Eu acho que nós, e digo “nós” porque me continuo a considerar uma pessoa da terra, temos muita sorte. Temos uma imprensa local e regional muito boa com muita qualidade e é muito raro teres numa região como a de Leiria: jornais que cumprem o seu papel e acho que o cumprem bem, a fazer a cobertura dos temas que interessam às pessoas. E, em simultâneo, podes ler entrevistas com figuras que têm relevância regional e nacional. Em teoria, poderia achar-se que só se iria ler uma grande entrevista com um escritor, um político num jornal nacional, ou ter temas que poderiam estar numa newsmagazine, numa revista de fim de semana, no Expresso ou no DN. Mas estão também retratados no Região de Leiria ou no Jornal de Leiria, com uma abordagem regional. Eu acho que isso é de uma riqueza muito grande, e tanto o RL como o JL fazem-no muito bem. Mas temos muito mais: a Gazeta das Caldas, o Região de Cister, O Portomosense, temos tanta oferta…. Claro que são todos diferentes, e uns feitos de forma mais profissional, outros com as suas dificuldades e especificidades. Sobretudo, acho que não é nada fácil ser imprensa regional e fazê-la de forma profissional e bem feita, sobretudo pela proximidade que existe com os poderes locais e com a tentação dos vários poderes locais – político, mas sobretudo económico – de tentar exercer a sua influência na comunicação social. O que se passa sobretudo na região e distrito é um exemplo inacreditável de sucesso, resiliência e profissionalismo. E é um grande orgulho ver isso acontecer e também beneficiar disso: as pessoas nem têm consciência disso. Saiu há poucas semanas um estudo sobre o “Deserto de Notícias” e quando se percebe o que se passa no resto do país, com imensos concelhos sem um órgão de comunicação, perceber a vitalidade que, apesar de tudo, há na região de Leiria… Acho que só temos de nos orgulhar.

Deixar um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Artigos relacionados

Subscreva!

Newsletters RL

Saber mais

Ao subscrever está a indicar que leu e compreendeu a nossa Política de Privacidade e Termos de uso.

Artigos de opinião relacionados