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“Temos de perceber o que está a mudar e qual o papel do jornalismo no mundo contemporâneo”

Carlos Camponez é docente e investigador da Universidade de Coimbra

Do seu ponto de vista, que relevância mantém a imprensa no contexto atual, sendo que estão disseminadas plataformas diversas de comunicação?

Considero que a relevância é um valor que se constrói. A relevância social da imprensa foi sendo historicamente construída e de acordo com os contextos políticos, económicos, culturais e sociais. Aquilo que muitos denominam a época de ouro da imprensa, por referência ao séc. XIX – uma afirmação que está longe de ser consensual – referia-se a um modelo de comunicação empenhado, de causas, ideologicamente muito marcado e realizado por pessoas que muito dificilmente poderiam ser considerados jornalistas, à luz do significado que atribuímos hoje a essa palavra. A história da imprensa local, em Leiria, mostra-nos como esse modelo de imprensa perdurou até às últimas décadas do séc. XX. O modelo do jornalismo informativo, feito por jornalistas, em que os homens de letras e intelectuais foram sendo progressivamente deslocados para as páginas de opinião, foi também uma construção do séc. XIX e que se impôs no séc. XX. Alguns historiadores sublinham como, para os “homens da imprensa” a separação entre factos e opiniões, hoje considerada uma questão ética da profissão, não só se colocava como era impensável conceber factos que não fossem enquadrados por opiniões. Em Portugal, do ponto de vista formal e legal, é interessante verificar que a palavra “jornalista” se impôs apenas em 1933 e, um ano mais tarde, com a criação do Sindicato Nacional de Jornalistas – atual Sindicato dos Jornalistas – e a institucionalização da obrigatoriedade carteira profissional para o exercício da atividade. Até lá, jornalistas e “homens da imprensa” eram expressões sinónimas.

Dito isto, não temos de estranhar ou temer as plataformas digitais. Temos, sim, de perceber o que está a mudar e qual o papel do jornalismo no mundo contemporâneo. Tenho uma ideia sobre isso, mas é só uma ideia… Penso que num mundo em que, através das plataformas digitais, todos comunicam com todos e que a liberdade de expressão se democratizou e não precisa da intermediação dos jornalistas para existir, o papel do jornalismo são os factos: a reportagem, as notícias verificadas, a natureza diversa e plural da realidade que nos rodeia. Isso pode ser feito em diferentes plataformas, mas na lógica do que é (deve ser) o jornalismo e não seguindo as modas das próprias plataformas e das redes sociais. Quanto mais os media jornalísticos fizerem o jogo das redes sociais mais se diluirão nelas e estarão, a longo prazo, votados ou a desaparecer, a serem inexpressivos, ou seja, a perder a sua relevância social.

Como avalia a dinâmica da imprensa local e regional e a capacidade de assegurar as atividades informativa e de escrutínio, nomeadamente no que se refere a esta região de Leiria?

Em Portugal não existe uma realidade na qual caiba toda a realidade dos media regionais. Julgo que os media regionais têm feito um grande esforço para sobreviver, muitos sem sucesso e estão a desaparecer. Hoje há já muitos concelhos do país que vivem um deserto informativo sobre a sua realidade. Sinto isso como um problema. Diria, mesmo, que esse problema vai para além do desaparecimento dos media regionais. Alguns estudos em outros países em que isso se está também a passar consideram que o desaparecimento dos media locais e regionais têm um efeito desagregador das comunidades locais e tem promovido a radicalização política, tornando cada vez mais difícil a criação de consensos essenciais para o progresso e o desenvolvimento.

Há modelos pensados e experiências de sucesso para a revitalização dos media locais e regionais. Mas receio que muitos deles ainda não sejam aplicáveis ao caso português: porque exigem novos investimentos; porque precisam de novas lideranças; porque necessitam de novos perfis de formação dos jornalistas; porque necessitam de renovação dos projetos editoriais capazes de adaptarem a sua função social às necessidades das comunidades que servem. Fazer um jornalismo próximo é muito mais do que ter uma sede no local ou na região que pretendemos servir. Dos estudos sobre a história da imprensa e dos media regionais, em Portugal, é possível concluir que muitos projetos editoriais estiveram ou estão muito longe do seu espaço e do seu tempo.

Acredita que a imprensa tem condições para cumprir a sua função com a consolidação do paradigma digital?

Se os media regionais pensarem os seus projetos como um serviço às populações, sim, tenho esperança que isso aconteça. A história dos últimos 30 anos, em Leiria, pode ser inspiradora das possibilidades de renovação que são possíveis fazer, mesmo quando tudo à volta nos parece dizer o contrário. Os desafios, hoje, não são os mesmos dos que foram necessários nos anos 80. Mas, também nessa altura, poucos eram os que acreditavam que as mudanças fossem possíveis. Recordo-me de quando vim para Leiria fazer jornalismo que muitos diziam que esta era uma cidade onde nem sequer havia notícias para dar.

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