Apenas os especialistas de endocrinologia e nutrição, medicina interna, pediatria e medicina geral e familiar estão autorizados, desde o passado dia 8 de agosto, a prescrever sensores de monitorização da glicose intersticial e medicamentos da classe dos agonistas dos recetores GLP-1 (semaglutido, dulaglutido, liraglutido e exenatido).
Nesta classe de fármacos inclui-se o Ozempic, desenvolvido para tratar a diabetes tipo 2, mas que está também a ser usado para combater a obesidade e ajudar à perda de peso.
No despacho que institui a medida, o Ministério da Saúde justifica a decisão com “as dificuldades amplamente reconhecidas” no acesso a estas terapêuticas e com os relatos de uso indevido destes recursos, sendo o objetivo “regular e corrigir essas distorções, promovendo um acesso efetivo e adequado a essas ferramentas essenciais à saúde”.
Para o presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD), João Raposo, a medida é importante, “porque tenta encontrar uma solução”, mas é “um remendo face à situação atual”.
Esta medida foi importante ser tomada, mas pecou por ser tardia, porque não houve um planeamento prévio sobre como garantir o acesso a estas tecnologias para a população com diabetes, nem se refletiu sobre o que fazer relativamente à população com obesidade
João Raposo
presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia, em declarações à Lusa
Em declarações à agência Lusa, João Raposo considerou ser difícil antecipar se a medida vai resolver os problemas que os diabéticos têm tido, nos últimos três anos, no acesso aos medicamento e tecnologia.
O especialista manifestou também preocupação com os doentes acompanhados atualmente por outras especialidades médicas, questionando se irão poder continuar a beneficiar da terapêutica e como será garantido um rápido acesso para as consultas com médicos autorizados a prescrever.
Defendeu ainda ser “muito importante” que o Infarmed e o Governo monitorizem o impacto real da medida, mas alertou que o “mais importante” é garantir que todos os diabéticos tenham acesso a este tipo de medicação, independentemente do seu índice de massa corporal, o que exigirá alterações na legislação atual.
Reforçou ainda que nem a SPD nem as associações de doentes se opõem à prescrição destes fármacos para pessoas com obesidade. Pelo contrário, disse, defendem de “forma clara” que o Governo deve regulamentar, com urgência, o acesso a consultas de obesidade e a disponibilização destas terapêuticas.
Segundo o especialista, a ausência de uma resposta estruturada permitiu “a abertura de um mercado a prescrições anómalas e a falta de acompanhamento destas pessoas”, e a única forma de ultrapassar esta situação é criar mecanismos eficazes para acompanhar as pessoas com obesidade, reconhecida em Portugal como doença desde 2004.
Sociedade Portuguesa do AVC contesta decisão
Entretanto a Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral (SPAVC) manifestou-se contra a decisão de restringir a prescrição de injetáveis e sensores para diabetes a quatro especialidades médicas, apelando à revisão urgente da medida.
Num comunicado, citado pela agência Lusa,, a direção da SPAVC “apela à revisão urgente desta decisão, alargando a possibilidade de prescrição a todas as especialidades diretamente envolvidas no tratamento do AVC e no controlo dos fatores de risco vasculares, de modo a garantir cuidados mais completos e centrados no doente”.
A SPAVC argumenta ainda que o AVC é a principal causa de morte em Portugal e que “a diabetes é um dos seus mais relevantes fatores de risco modificáveis”, pelo que “limitar a prescrição de terapêuticas e tecnologias eficazes a apenas algumas especialidades compromete a necessária abordagem multidisciplinar e integrada”.
“Ademais, os análogos do GLP-1 ajudam, também, no controlo da dislipidemia e da hipertensão arterial e demonstrou-se o seu efeito na redução do risco de AVC e sua recorrência, um efeito verificado nos primeiros três meses após evento. O caminho não deverá passar por restringir a prescrição a quem pode beneficiar, mas sim promover orientações informadas para uma correta e atempada prescrição”, reforça a associação.
A SPAVC considera positivo que os médicos de Medicina Interna, Medicina Geral e Familiar e Endocrinologia continuem a poder prescrever estes fármacos e dispositivos, mas diz ser “inaceitável a exclusão de especialidades que desempenham um papel fundamental na prevenção e tratamento do acidente vascular cerebral e no controlo dos seus fatores de risco”.
“Mais ainda especialidades como, por exemplo, a Neurologia e Cardiologia que contribuíram de modo muito ativo em Portugal para a implementação, desenvolvimento e validação desses fármacos em ensaios clínicos”, acrescenta.
A Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral refere também o papel essencial da Nefrologia e da Cirurgia Vascular “no controlo dos fatores de risco vasculares”, vincando que deveriam estar incluídas, “dado o impacto da diabetes na doença aterosclerótica e no risco de eventos cerebrovasculares”.
No dia em que a medida entrou em vigor, também a Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) alertou que a exclusão da especialidade na nova portaria compromete a prevenção de eventos cardiovasculares.