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Marinha Grande

Oito anos depois, o Pinhal de Leiria ainda não compensou o carbono perdido no dia do fogo

Floresta que nos últimos oito anos ressurgiu no Pinhal de Leiria ainda não foi suficiente para absorver o dióxido carbono (CO2) libertado para a atmosfera no fogo de 15 de outubro de 2017

Há oito anos arderam 9.500 hectares do Pinhal de Leiria Foto de Arquivo: Joaquim Dâmaso

As chamas que consumiram 86% daquela mancha florestal libertaram para a atmosfera cerca de 200 mil toneladas de CO2. O equivalente às emissões de 2,25 milhões de automóveis que percorram mil quilómetros foi, num só dia, retirado do verdadeiro armazém de carbono que se estende por dois terços do território do concelho da Marinha Grande.

Ao arder, do pinhal para a imensa epiderme gasosa que nos envolve, foram entregues enormes quantidades de gases que potenciam o efeito de estufa.

Seria de esperar que, à medida que o tempo passa e o Pinhal ressurge, reflorestado, esse passivo ambiental tivesse sido ultrapassado. Ou seja, que nestes oito anos, o novo pinhal que vai recuperando, já tenha absorvido, pelo menos, o equivalente à poluição atmosférica produzida no dia do fogo. Mas a realidade é que isso está longe de ter acontecido.

O REGIÃO DE LEIRIA procurou perceber que fração dessas 200 mil toneladas de dióxido de carbono já foram absorvidas. E, no melhor dos cenários, a estimativa indica que um pouco menos de 60% das emissões daquele fatídico dia foram retiradas da atmosfera.

Antes de tudo, importa deixar algumas notas. Foi com o apoio de Luís Igreja Aires, docente e investigador do Politécnico de Leiria, que, em 2020, o REGIÃO DE LEIRIA divulgou que o fogo, que consumiu cerca de 9.500 hectares do Pinhal do Rei, como também é conhecido, terá lançado para a atmosfera aproximadamente 200 mil toneladas de CO2.

O cálculo, que em concreto aponta para uma emissão de 197.974 tCO2, pode ser considerado prudente, na medida em que apenas teve em conta a biomassa florestal (pinheiro), não tendo sido consideradas as espécies arbustivas (herbáceas e arbustivas existentes).

Ressurgimento do Pinhal é processo lento e progressivo Foto de arquivo: Joaquim Dâmaso

E a estimativa do valor já absorvido – novamente obtida com o apoio de Luís Igreja Aires – leva em conta que, com o pinheiro-bravo jovem como espécie dominante durante a recuperação da área ardida, o cenário mais plausível situa-se perto de 2–2,5 tCO2 por hectare e por ano, pelo que a recuperação já terá removido algo como metade a 60% das emissões imediatas a 15 de outubro de 2017.

Importa ainda levar em conta que os cálculos são baseados na informação divulgada no ano passado pelo ICNF – entidade que gere o Pinhal – e que dava conta de que 70% da área ardida estava reflorestada.

Atempadamente, o REGIÃO DE LEIRIA solicitou ao instituto informação relativa ao ponto de situação do processo de reflorestação do Pinhal nesta altura em que se cumprem oito anos após o incêndio, mas não obteve resposta até à hora de fecho da nossa edição.

Consequentemente, não é possível calcular o ponto atual do processo de absorção das emissões do dia do fogo, mas não deixa de ser evidente que o gigantesco impacto negativo que o fogo tem para o ambiente se soma à já extensa lista de graves problemas que o incêndio trouxe consigo.

O certo é que mesmo do ponto de vista ambiental, o impacto vai muito além das emissões diretas. O carbono armazenado no solo é um reservatório significativo de carbono, muitas vezes superior ao da própria biomassa existente.

Francisco Ferreira, presidente da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, lembra que no capítulo das emissões, o fogo “tem um contributo negativo duplo – não apenas estamos a pôr na atmosfera mais gases que imediatamente contribuirão para o aquecimento global, pois, embora já se tenha conseguido recuperar cerca de 60% do carbono perdido, serão precisos ainda alguns anos para repor o total”.

Ricardo Vicente, antigo deputado por Leiria (BE) que fez parte do Observatório do Pinhal do Rei, recorda ainda que “havia talhões com árvores com mais de 50 anos e que por isso tinham muito mais valor como sumidouro de carbono do que os talhões atuais”.

A urgência climática

A Zero tem contribuído para a reflorestação do Pinhal de Leiria. “Contar com a regeneração espontânea poderia ser um caminho a seguir, mas não chega face à urgência de contrariarmos as alterações climáticas e impedirmos mais emissões”, aponta o presidente da Zero.

É que “um grande incêndio liberta, em horas, carbono que demora décadas a ser recuperado e isso só acontece se a área não voltar a arder, se não sofrer erosão e se houver gestão ativa”. Prevenir, considera, “é reorganizar o território: mosaicos de uso do solo, restauro de espécies nativas mais resilientes”, como é o caso de sobreiros, carvalhos, medronheiros, a promoção da “agro-silvo-pastorícia para reduzir carga combustível”, para além do “fogo controlado em condições seguras, faixas de gestão na interface urbano-florestal e manutenção anual”.É, diz, necessário “pôr pelo menos tanto dinheiro na prevenção e na gestão quanto no combate”.

Os fogos, para além do impacto direto e imediato, são um passivo significativo nas metas ambientais do país. Bárbara Costa, 27 anos, é consultora de comunicação e ativista climática. Integra a geração confrontada com a perspetiva de um impacto acrescido da mudança climática.

Na sequência do fogo de 15 de outubro de 2017, na Mata Nacional de Leiria – também conhecida por Pinhal de Leiria ou do Rei – foram diversas as atividades levadas a cabo para reflorestar aquela mancha florestal. Trata-se de um esforço levado a cabo por entidades públicas e privadas, umas com mais sucesso que outras. Um esforço que, apesar da sua dimensão, oito anos depois, ainda não neutralizou o efeito negativo do dia do fogo. Foto de arquivo: Joaquim Dâmaso

O sentido de urgência é evidente. “A reflorestação do Pinhal de Leiria, embora necessária e simbólica, é como colocar um penso numa ferida aberta: trata-se o sintoma visível, mas ignora-se a infeção sistémica que o originou”, refere. “Essa metáfora aplica-se também à forma como o mundo tem enfrentado a crise climática: com medidas superficiais, quando o problema exige uma transformação estrutural”.

Portugal, afirma a jovem leiriense, deve “investir de forma séria e contínua na prevenção”, na educação e literacia ambiental. “Para além de reconstruir a floresta, precisamos de reconstruir a relação entre as pessoas e a natureza”, reforça.

Num tempo de vertigem acelerada, a alteração climática pode ser um fogo que arde, por vezes, sem se ver. E as florestas são, segundo Francisco Ferreira, “um seguro climático, hídrico e de biodiversidade do país: capturam carbono, regulam água e solos, arrefecem o território e suportam biodiversidade e economias locais”.

Um dia de fogo são quatro anos de consumo energético da Marinha Grande

O total consumo elétrico na Marinha Grande durante um ano – incluindo habitações, indústria e demais atividades – representa apenas um quarto das emissões totais libertadas no fogo do dia 15 de outubro de há oito anos.

Se a dimensão do fenómeno poluente gerado pelo fogo fica ainda mais evidente quando se constata que, num só dia de chamas, se poluiu o equivalente a quatro anos de consumo de energia, o certo é que as consequências do incêndio são ainda mais gravosas.

Não esquecendo os impactos “dramáticos a vários níveis”, nomeadamente pela “destruição de bens e de atividades importantes para muitas pessoas nos terrenos afetados”, Francisco Ferreira refere que, quanto aos gases libertados no dia do fogo, “não apenas temos gases com efeito de estufa, como dióxido de carbono que estava armazenado na vegetação, mas muitos outros poluentes, como óxidos de azoto, partículas (principalmente partículas finas, que prejudicam muito a saúde), carbono negro, entre outros”.

À fatura das emissões somam-se outros fenómenos: “depois do fogo, há ainda emissões diferidas pela decomposição de madeira morta. Somam-se também impactos menos visíveis: o carbono do solo e da manta morta que se perde, a degradação de raízes e todo um conjunto de organismos que asseguram a produtividade futura do solo”.

Esta circunstância abre portas à erosão e a outros impactos negativos mais extensos para o ecossistema e para as atividades humanas. “Se o país continuar a ser continuamente fustigado por mega-incêndios, não só terá as suas contas furadas ao nível da mitigação das alterações climáticas, como terá cada vez menos capacidade de adaptação do território ao novo clima, agravando os impactos de eventos meteorológicos extremos”, alerta Ricardo Vicente.

“Para responder às alterações climáticas eficientemente, há muito a mudar no ordenamento e na gestão florestal, e as matas nacionais devem servir de exemplo para esta resposta”, aponta ainda.

“Os fogos não substituem a necessidade de cortar emissões, principalmente dos transportes, mas também na produção de eletricidade nas centrais térmicas, na indústria e nos edifícios. Mas os incêndios podem deitar por terra o sumidouro florestal de que o país precisa para equilibrar a conta climática”, completa.

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Segundo a APA, a produção ou consumo de energia equivale a 0,092 kg CO2eq./kWh. Em 2023, a Marinha Grande consumiu 554,4 milhões de Kw/h que resultam em aproximadamente 50 mil toneladas de CO2, um quarto das emissões do fogo num só dia

A produção deste artigo é apoiada por uma bolsa do projeto Climate Frontline, liderado pelo EJC, em parceria com a REVOLVE


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