Cheguei à Suécia na segunda-feira, dia 12 de março de 1979. Tinha lido os trabalhos do Laboratório de Fonética da Universidade de Estocolmo e sido aceite como estagiário. Fascinavam-me os 59o de latitude norte de Estocolmo e a excelência da investigação em Fonética Experimental e Tecnologia da Fala e queria saber como era possível atingir esse nível. Com uma mala cheia de camisolas grossas – desnecessárias porque se apanha menos frio em Estocolmo com -20o C do que com +2o C em Leiria – apresentei-me no Departamento de Fonética e o meu primeiro choque foi quando o professor com quem eu iria trabalhar me começou a falar de modelos matemáticos aplicados à Fonética.
Como engenheiro costumava ser eu a explicar modelos e técnicas de análise aos fonéticos tradicionais, mas este professor não precisava da minha ajuda. Havia uma cultura de colaboração interdisciplinar, de respeito mútuo pelo trabalho, horários e bem-estar do pessoal e notei rapidamente que também era importante manter a forma física, pelo que passei a aproveitar os intervalos do almoço para dar largas à minha veia atlética portuguesa.
Havia nessa altura um pequeno pavilhão junto à universidade onde a Associação de Estudantes tinha começado a oferecer passes de ginástica à hora do almoço e eu usava-o como base para os meus “circuitos de manutenção” na floresta local. Vendo-me entrar e sair regularmente no pavilhão, a instrutora de ginástica perguntou-me um dia se eu não queria experimentar um passe, ao que eu respondi pomposamente que vinha de Portugal e que fazia preparação física a sério e não daquele género “de dança para mulheres” – infelizmente sem me aperceber do ridículo e da ignorância cultural da minha resposta. Mas ela insistiu e eu acabei por aceitar.
Ia restaurar a imagem da fibra atlética dos garbosos mancebos lusitanos que já em 1912 o Francisco Lázaro tinha tentado demonstrar nos Jogos Olímpicos de Estocolmo! Empenhei-me a 100%, mas a dificuldade em controlar os graus de liberdade dos meus movimentos era enorme e ao fim de uns 10 minutos senti que corria o risco de repetir o trágico desfecho desportivo de 1912, enquanto a instrutora, sorridente e elegante, continuava a demonstrar os exercícios como se fossem a coisa mais fácil do mundo. Eu era suposto imitá-la e “se ela aguenta, também eu consigo aguentar!” e lá fui arranjando forças, ajudado pela vergonha de desistir 50 minutos antes do fim do passe “para mulheres”.
Foi um investimento muito rentável. Uma hora de treino proporcionou-me uma semana com dores em todo o corpo e quase sem me conseguir mexer, mas tornei-me um adepto sério e desde então tenho vindo a participar regularmente nesse tipo de atividade física. E o treino tem sido muito útil – e não só para as minhas corridas para apanhar comboios ou autocarros.
//= generate_google_analytics_campaign_link("leitores_frequentes_24m") ?>De facto, há uns anos atrás num desses dias de inverno em que se forma uma camada de gelo muito escorregadia, vi uma senhora de idade cair de costas a uns metros de mim e apressei-me rapidamente para a ajudar a levantar-se. Só que escorreguei também e caí por cima dela. Foi nesse momento que o meu treino fez a diferença entre um “boca-a-boca” consumado e a paragem a uns 2 cm da cara da senhora graças à queda facial que consegui fazer, enquanto um outro jovem que nos tentou acudir também se estatelava, felizmente não em cima de nós. Foram uns segundos muito produtivos e a senhora recuperou rapidamente e quis logo ir-se embora.
Moral da história: A investigação em Fonética experimental promove, para além do desenvolvimento científico, preparação física que pode ser muito útil para ajudar senhoras reformadas a porem-se em pé depois de uma queda!
Bom Ano Novo, bom treino e um abraço da Suécia!
(Artigo publicado na edição de 2 de janeiro de 2020 do REGIÃO DE LEIRIA)