Cerca de 1.600 quilómetros separam Leiria de Cambridge, no Reino Unido, mas o caminho que David Martins percorreu até chegar ao território inglês foi (bem) mais longo.
Natural de Leiria, estava ainda no ensino básico quando deu os primeiros sinais de que o seu percurso académico poderia desviar-se da rota comum. Na escola de Pousos integrou o ensino articulado, o que lhe permitiu ter aulas como formação musical ou coro, em conjunto com as disciplinas do ensino regular.
Tudo para poder aprender o seu instrumento de eleição, o órgão. “Com muita pena minha quando fui para o secundário as prioridades mudaram e tive de deixar o ensino articulado”, diz ao REGIÃO DE LEIRIA, lembrando que estudou Ciências e Tecnologias na Escola Secundária Domingos Sequeira, em Leiria.
Nesta altura, almejar voos mais altos não era algo que ocorresse ao jovem, até porque estava consciente do investimento financeiro que seria preciso para sair do país e sobrecarregar a família não era opção. No entanto, ao aproximar-se do final do secundário ousou sonhar.
Tinha duas certezas: Matemática e Ciências Sociais eram as disciplinas que mais gostava, por isso, ia dedicar-se à Economia. Na hora de seguir para o ensino superior, a sua nota de candidatura – 19 valores com a média do secundário e o exame de Matemática – deixava-o “à vontade” para escolher qualquer instituição em Portugal.
“Mas o plano de estudo das universidades e a oferta educativa não era exatamente aquilo que eu esperava e então comecei a pensar em outras opções”, explica. “Sem levar nada a sério”, começou a fazer pesquisas nos Países Baixos, Itália até chegar ao Reino Unido.
Situando no tempo, o jovem concluiu o secundário em 2020, ano da pandemia Covid-19 e do Brexit, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia. Confessa agora que lhe parecia “um passo assustador” e, ao mesmo tempo, “quase impossível”. Mas à medida que a ideia se tornava mais sólida, começaram a aparecer opções.
Enquanto estudante europeu, percebeu que não teria de pagar as propinas da licenciatura graças a um programa do Governo que funcionava como um empréstimo. No fundo, enquanto estivesse a estudar e desempregado, ficaria livre dessa despesa e, mais tarde, quando já estivesse empregado, e se recebesse acima de um determinado valor – atualmente 26 mil libras por ano (cerca de 30 mil euros) – teria de entregar 9% do salário para “devolver” o dinheiro ao Estado. Este apoio, que só existiu até 2020, aumentou-lhe as esperanças.
“Claro que depois há os custos de vida, que em Inglaterra não são baixos”, lembra, mas sabia que algumas das melhores universidades eram também “bastante ricas” e tinham vários apoios para os estudantes. O jovem focou-se nessas instituições: “Escolhi universidades de topo para as quais cumpria os requisitos e que poderiam porventura oferecer-me algum tipo de apoio para os custos de vida”, afirma.
Por outro lado, é muito comum no Reino Unido estudar e trabalhar ao mesmo tempo, mais do que em Portugal, pelo que seria relativamente fácil conseguir um part-time. Nesta altura já não havia dúvidas, David Martins fez as malas e voou para um grande sonho e uma grande aventura, estudar Economia na Universidade de Bristol.
Com 18 anos, ir viver para outro país, falar outra língua, estar longe da família e em período de pandemia e crise política não é, como diz a expressão, “um mar de rosas”. Considera que estava consciente destas dificuldades, mas só as sentiu realmente quando aterrou no novo país. Tentava vir a Portugal, pelo menos, duas vezes por ano, no verão e no Natal, mas lembra-se de, nos primeiros anos, a mãe ligar todos os dias, sempre à mesma hora. “Acabei por não me sentir assim tão afastado da família porque existe esse contacto que, embora seja virtual, é melhor do que nada, não é?”.
A somar a isso, a rede de apoio na universidade ajudou-o a sentir-se acolhido. O jovem lembra-se daquela sensação, no primeiro ano, em que “ninguém se conhece, ninguém sabe quem são os outros, vieram todos de partes diferentes do país ou do mundo e estão todos um bocadinho perdidos”. “A verdade é que isso também nos une”, destaca.
Esta saída da zona de conforto é, para David Martins, a maior vantagem de ter escolhido estudar fora de Portugal.
Além da vida académica, e porque as despesas continuavam a ser uma preocupação, o jovem começou a trabalhar no segundo ano da licenciatura, cerca de 10 a 15 horas por semana, e tinha dois trabalhos, ambos na universidade. Um era liderar sessões de estudo de Matemática para alunos do primeiro ano, e outro como ponto de ligação entre novos alunos e os serviços da universidade, no fundo apoiar na sua integração. Recebia cerca de 12 libras (aproximadamente 14 euros) por hora – “um bom valor”. Mesmo com apoios e este esforço extra, a ajuda dos pais continuou a ser “indispensável”. Também trabalhou no verão e numa discoteca, à noite.
Durante os quatro anos de licenciatura procurou “sempre” distinguir-se dos restantes alunos, participando em diversos estágios e projetos e esteve um ano em Erasmus, na Università Bocconi, em Milão, Itália. O sucesso torna-se evidente com a chegada das notas finais, em 2024. Em Inglaterra, as médias não são calculadas como em Portugal, de zero a 20 valores, mas sim por quatro classificações. A melhor é a First Class Honors, aquela em que David Martins ficou classificado.
O sonho de Cambridge
Fazer um Mestrado numa das mais conceituadas universidades do mundo foi um sonho que o jovem leiriense começou a construir logo após a licenciatura. Candidatou-se “a diversas coisas”, para manter as opções em aberto, e lá estavam Cambridge e Oxford na lista. Numa primeira tentativa não foi aceite, mas, mesmo após a desilusão inicial, não desistiu.
Atualmente, é consultor em Londres, numa empresa do sector de transportes e infraestruturas, mas a ideia de prosseguir com os estudos não foi afastada. “Trabalhei bastante nas minhas candidaturas, candidatei-me para Oxford, Cambridge, Edimburgo e para a University College London”, dá conta, especificando que os requisitos das candidaturas são muito variados e vão desde as cartas de recomendação ou motivação, passando pelas notas e até a experiência profissional. Para garantir que cumpria com todas as exigências, David Martins decidiu inscrever-se numa pós-graduação em Matemática, na Birbeck College, University of London, que é, neste momento, a sua ocupação em part-time.
Todo o esforço resultou em respostas inesperadas: “Para grande surpresa minha, consegui ofertas de todo o lado para onde me candidatei, inclusive de Oxford, que me tinha rejeitado no ano passado. Fiquei muito feliz”, diz, entre risos.
O que David Martins não sabia é que, depois desta surpresa, viria a ‘dor de cabeça’ de escolher entre os seus destinos de sonho, Cambridge e Oxford.
Por um lado, conta, Cambridge apresenta um Mestrado em Economia mais matemático e quantitativo. Por outro, Oxford tem um curso mais focado em história económica e social, pelo que será mais focado em teoria e investigação. Confessa que gostaria de fazer ambos e “só o facto de ter esta possibilidade de escolha já é algo incrível”.
Sobre qual caiu a escolha? A resposta é Cambridge.
David Martins acredita que a oferta educativa está mais relacionada com a sua área e lhe pode abrir mais oportunidades de trabalho no futuro. “Não é que ficasse mal servido com Oxford, claro, mas Cambridge vai mais ao encontro de competências que quero desenvolver e terei a oportunidade de estudar áreas da economia a um nível bastante avançado”, acrescenta. Também o ambiente da própria universidade entrou nesta equação. Cambridge é, considera, uma cidade mais pequena, “muito bonita”, e tem uma “vibe de aldeia” que o fez sentir-se em casa.
O jovem, atualmente com 22 anos, foi aceite no Clare College, fundado em 1326, um colégio que funciona como uma pequena comunidade onde os estudantes vivem, tomam refeições e convivem uns com os outros. David Martins adianta que o colégio em que entrou vai fazer 700 anos, “é o segundo mais antigo da universidade, é muito central e muito bonito”. “Quando o fui visitar, senti-me logo em casa, tem pessoas muito acolhedoras”.
Este sistema de organização por colégios é comum nestas universidades e Cambridge possui 31. “Cada colégio tem um grande salão de refeições, alguns assim ao estilo Harry Potter”, destaca.
As aulas começam em outubro, mas, para já, o foco está na conclusão da pós-graduação em Matemática, a única condição para poder embarcar na nova aventura. E, claro, o jovem não faz conta de falhar este passo.
Para David Martins ainda é estranho dizer, em voz alta, “Vou estudar em Cambridge” e acredita que só lhe vai cair a ficha quando iniciar o Mestrado. Confessa que é difícil colocar em palavras o que sente, mas está “muito feliz por ter esta oportunidade”. “É a realização de um sonho estudar numa universidade tão antiga e num centro de conhecimento que já viu as maiores mentes da humanidade dos últimos séculos e percorrer os mesmos corredores e jardins que outrora viram Newton, Darwin, Turing ou Stephen Hawkings, algumas das mentes mais brilhantes da história, é um privilégio imenso”, aponta. Apesar disso, não se considera um sobredotado, mas antes um estudante normal apaixonado por Economia.
Questionado sobre o futuro depois de Cambridge, admite que tem várias ideias, mas ainda nada muito definido. Sabe, sem dúvida, que quer ter uma carreira internacional, pelo menos enquanto é jovem, passar por vários países e contactar com diversas culturas. Quer ser economista, mas deixa em aberto o sector onde gostaria de trabalhar. Em aberto fica também a possibilidade de regressar a Portugal, até porque “o tempo é fantástico” e [o gosto d]a comida faz-lhe falta, mas considera que o país não proporciona as mesmas oportunidades que pode encontrar no estrangeiro. “Mais tarde, quem sabe, se houver boas ofertas, eu não digo que não”, considera.
Aos jovens estudantes que leem este texto, David Martins deixa um conselho claro: “Não tenham medo de errar”. Lembra que, às vezes, é preciso arriscar e ter em conta que “se não tivermos nada a perder, também vamos ter muito pouco a ganhar”. Além disso, fazer aquilo que se gosta torna o caminho mais leve e, embora a empregabilidade importe, “o mais importante é seguirmos a nossa paixão, seja ela qual for, e confiarmos em nós próprios”.