Assinar
Ilustração do rosto de Patrícia Duarte

Patrícia Duarte

Diretora-adjunta

“Evitar dar sentimentos”

“A pandemia projetou-nos para o universo digital e esqueceu-se de nos avisar que devíamos seguir viagem inteiros.”

A frase consta de um anúncio de falecimento publicado por uma agência funerária. Refere-se a beijos, abraços e apertos de mão. Se há ocasião em que não os dispensamos é nos velórios e funerais, mas, por agora, estas cerimónias têm de seguir a regra imposta a todas as outras: distanciamento.
“Evitar dar sentimentos” passou a fazer parte das nossas cautelas diárias. Contudo, é muito difícil viver assim. É quase desumano ter de ver, ler e sentir os outros sem lhes tocar.

Que o digam os médicos que agora se veem desafiados a dar consultas por videochamada. Eles que foram instruídos a diagnosticar com as mãos e necessitam do contacto físico para uma radiografia bem feita.

Para os pacientes, sobretudo os mais velhos, são tempos dramáticos os que se vivem. As idas ao médico – mesmo para renovar receituário – tinham tanto de terapêutico para as maleitas físicas como para as emocionais.

É preciso educar a população para estas novas formas de aceder a um centro de saúde, refere um médico na reportagem que trazemos esta semana nas páginas 6 e 7. De facto é, mas é igualmente necessário que se eduquem os profissionais de saúde para estas novas formas de atendimento que, sem a leitura corporal, têm de manter a leitura emocional.

Tem vindo a ser sublinhada a diferença entre distanciamento físico e distanciamento social. O primeiro é para acatar, o segundo não.
Não se pode “evitar dar sentimentos”. Vamos desesperar por eles nos próximos tempos. Quando a crise económica atingir a sua expressão máxima e com ela vier o desemprego, a ansiedade, a depressão, a pobreza e a fome, o que será de nós sem os sentimentos que temos a dar e a receber uns dos outros?

A pandemia projetou-nos para o universo digital e esqueceu-se de nos avisar que devíamos seguir viagem inteiros. Que poderíamos deixar para trás muitos dos nossos pertences, mas não a nossa humanidade. É que sem ela não há forma de encontrar sentido e resistência para o absurdo destes dias e a vida torna-se insuportável.

Por telefone, WhatsApp ou email, o momento é, por isso, de “dar sentimentos”.