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O meu diário: A nossa horta

Ao princípio ainda fui na conversa, mas depois refleti: a horta estava a ser uma fonte de despesa em vez de ser uma arma para combater a crise.

Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Com esta coisa da crise e mostrando que sou impressionável, resolvi criar a nossa própria horta. Decidi aprender antes de sentir a verdadeira necessidade. Antes que seja preciso já adquiri a proficiência na arte de cultivar a terra. Nessas coisas eu e o meu marido somos parecidos. Gostamos de terra, de campo, de voltar às origens.

Terreno não faltava, está desde sempre à espera da reformulação dos anexos para a qual nunca sobra tempo e dinheiro. A Maria que trabalha comigo fez o resto. Trouxe-me dezenas de plantas prontas a plantar e deu-me o briefing. Fazer um carreirinho de terra e nos montinhos plantar as alfaces e nos vales o resto. E o resto era tomates, beringelas, feijão-verde, pepinos, beterraba, curgetes, pimentos, cebolas etc., etc.

Lá fomos adiando a entrega, até que o inevitável aconteceu e tivemos de plantar as ditas. A terra estava lavrada de forma que a coisa parecia fácil. Mas o campo é duro. Primeira lição: deitem fora os cartões do ginásio e dediquem-se à agricultura. Logo após o primeiro dia vão descobrir que o corpo humano abriga músculos que desconhecemos. E no dia a seguir ainda descobrem mais uns vinte localizados na parte posterior dos membros inferiores.

Outro desafio foi descobrir o que cada planta produzia. As alfaces, cebolas e tomates não constituíram dificuldade, mas outras foram mesmo ao calhas e algumas ainda estou para descobrir o que produzirão. Assim a distância recomendável não foi respeitada e há uma certa anarquia na nossa horta. Lição número dois: quando lhe oferecem plantas ponha uma etiqueta para saber o que lhe espera.

Depois foi regar. Tínhamos de regar e não temos senão água da rede. Que remédio, não há alternativa, tem mesmo que ser com essa. E quem rega? Eu nem pensar, que quando chego já está fresco suficiente mas a luz é insuficiente e o meu marido passa quase sempre a semana fora. Tivemos de contratar trabalho externo e recorremos ao rapaz mais novo do agregado familiar, que se mostrou pronto para tudo desde que lhe pagássemos cinquenta cêntimos por ato. Ao princípio ainda fui na conversa, mas depois refleti: a horta estava a ser uma fonte de despesa em vez de ser uma arma para combater a crise. Agora pratico a exploração do trabalho de adolescente e estou à espera de ser contactada por algum sindicato. Não deixei de remunerar, apenas tenho salários em atraso. Já comi alfaces, curgetes da horta e para semana já vou ter pepinos e tomates. Viva a Maria, minha professora de agricultura e viva a crise.

(texto publicado na edição em papel de 6 de julho de 2012)