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O meu diário: Farmácia

Passar para o outro lado da questão é sempre uma experiência. Os momentos que já passei em salas de espera de consultórios foram sempre experiências inolvidáveis.

Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Passar para o outro lado da questão é sempre uma experiência. Os momentos que já passei em salas de espera de consultórios foram sempre experiências inolvidáveis.

Graças à generosidade dos meus colegas nunca fiquei à espera durante muito tempo, mas nunca dei esse tempo por mal empregue porque aprendi muitíssimo. Uma vez era que “para além de ganhar fortunas estes médicos chegam sempre atrasados”. Infelizmente só encaixo na segunda parte.

Outra vez era que “a minha médica é muito melhor do que a sua” e eu a saber que eram as duas fantásticas, mas calada que nem um rato para ver se passava despercebida. Estes médicos nunca explicam nada à gente, estes médicos só escrevem e nem olham para nós. Este anda sem paciência, aquele anda mal com a mulher e aquela tem problemas. Não têm tempo para nada, não chegam a horas só pensam em operar. Se não quer ser operado o que vem fazer a um cirurgião. Também é muito humano, é um grande amigo, para onde ele for vou atrás dele.

A mais interessante foi numa farmácia. Ainda os meus meninos eram criancinhas e eu estava a preparar as férias pelo que decidi passar uma receita de antibiótico em xarope caso fosse necessário, que eu não gosto de andar no estrangeiro aos papéis. Fui à farmácia aviar. A cliente da frente tinha dor de ouvidos e zás levou com umas gotas para acalmar a dor sem qualquer recomendação para ir ao médico. Não gostei mas engoli em seco.

Quando chegou a minha vez entreguei a receita e pedi para não preparar o xarope. Recebi de volta uma cara de desagrado e uma pergunta que não estava à espera. E a senhora sabe preparar? Acho que sim. Então como faz ? Encho de água até ao tracinho, agito e tal e depois tal e tal. Percebi que tinha sido aprovada com um suficiente menos, a cara não denotava grande entusiasmo.

Depois é que veio a ratoeira: e que água junta? Ora, ora, da torneira ou do Luso. Do Luso?! O espanto era óbvio. Ai-ai estava a falhar. Deve ser daqueles que é entendido em ph das águas, pensei eu. Por esta altura já estava a temer que alguém na farmácia me conhecesse, uma médica que não percebia nada de águas para antibióticos. Porquê? Não pode ser do Luso ? Nem do Luso, nem de outra, tem de ser destilada. Ah não se preocupe que eu levo daquela que costumo pôr no ferro de engomar. Pior que não saber onde fica o esfenoide ou o esternocleidomastoideu.

Por pouco não fiquei sem a cédula profissional. Com farmacêuticos não se brinca.

(texto publicado na edição de 17 agosto 2012)