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O meu diário: Páscoa

Lembro-me da Páscoa de há alguns anos atrás, como dizia poeta quando todos estavam vivos.

Helena-vasconcelos
Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Lembro-me da Páscoa de há alguns anos atrás, como dizia poeta quando todos estavam vivos.

Era lá no norte, na aldeia onde o meu pai nasceu, bem perto de Amarante. Nunca me lembro de chover, mas devia chover de vez em quando. As casas eram limpas criteriosamente para receber a visita pascal (que chamávamos compasso). Não era uma limpeza pela rama, de varrer para debaixo do tapete, mas Nosso Senhor quando entrava tinha de encontrar tudo a brilhar, mesmo os cantinhos mais recônditos da habitação. Todos preparavam essa visita com muitos dias de avanço, todos menos a tia Gina, que nunca se deitava e limpava tudo ferozmente durante a noite não deixando ninguém dormir. Por sorte eu não dormia nessa casa. O Sr. Prior era sempre recebido com um sorriso e esperava-o uma mesa cheia de doces e fruta. Sim que ele lá em casa sentava-se e comia uma marroquina ou uma banana. Depois rematava com uma cavaca e um cálice de vinho do Porto, se já passasse das 10 da manhã. Os seus companheiros de visita também encostavam as cruzes e amanhavam-se com o que podiam, logo após guardarem o envelope com o dinheirito..

Eram recebidos por um tapete de flores que incluíam quase sempre pétalas de camélia ladeadas por murtas. Tocavam o sino a avisar a chegada. Um ano quando era adolescente resolvi furar o sistema e enchi uns cestos de flores amarelas e lilases do campo. Claro que a tia Gina não viu jeito naquilo, que não se recebe Nosso Senhor com flores que servem de pastagem ao gado. Porém a imagem do padre com um seminarista mulato atrás, a pisar aquele tapete multicolor nunca me sairá da cabeça – Uma verdadeira foto para um anúncio da Benetton. Escusado que essa forma de alindar o caminho até a porta de nossa casa se manteve ao longo dos tempos e ainda hoje quando lá estamos pela Páscoa é dessas flores que fazemos o tapete pascal.

Outro pormenor era a roupa que estreávamos nesse dia. Domingo de Aleluia era dia de estrear roupa e essa só seria vestida aos Domingos por alguns meses. Nem pensar usá-la de semana, era uma falta de orientação. Tenho de memória que eram roupas leves e coloridas. E que a Páscoa do antigamente devia ser já no verão.

Tenho saudades desses tempos de camélias, de roupa nova e de todos vivos e felizes.

(texto publicado na edição de 17 de abril de 2014)