Assinar

O meu diário: Pobres

Somos mesmo mesquinhos. Até os pobres têm de ser como os imaginamos. Educados e submissos, discretos e agradecidos.

Helena Vasconcelos, médicahml.vasconcelos@gmail.com
Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Somos mesmo mesquinhos. Até os pobres têm de ser como os imaginamos. Educados e submissos, discretos e agradecidos. Desde que me lembro, faço voluntariado e sou sensível à causa social. E aprendi a agradecer sempre qualquer ajuda que é dada em nome dos mais pobres e desfavorecidos. Nem sempre a motivação de quem dá é a mesma, mas estou-me literalmente nas tintas para isso. O que interessa é que tenham essa preocupação e o resto são cantigas. O que mais me irrita é aquela caridadezinha barata que cria um estereótipo de que pobre não pode ser alegre, e não pode ter vícios, para reforçar o ditado de quem não tem dinheiro também não os tem. Um pobre não pode nunca comer camarão e ter uma roupa decente e muito menos fumar. Um pobre tem de ser limpo mas não pode ser bonito ou cheiroso. Mas há pobres com pinta, que no trapinho mais desgraçado ficam melhor do que nós nas roupas mais caras. Há pobres que não sabem orientar o dinheiro e por isso merecem o desdém de todos. Não sabem com que rapidez se fazem julgamentos e se criam preconceitos. O difícil é entender a humanidade. Façam o exercício: e se eu tivesse nascido naquele meio, e não tivesse esta cabeça, ou esta personalidade também poderia estar assim pobre e vulnerável. Não poderia ousar ir ao cinema, ou provar o bolo da pastelaria porque estaria condenada a comer pão com manteiga e a ver televisão emprestada. Mas a alegria parece-me ser o melhor da vida e também há o ditado que tristezas não pagam dívidas. Já lhes chega ser pobres.

A democratização da pobreza talvez tenha o lado positivo de nos conseguirmos projetar nesse mundo, quando vemos a classe média empobrecida e fragilizada. Proponho que partilhem a condição de sermos gente por uns instantes e se sentem juntos, ao seu lado e os entendam. Não há grandes diferenças entre gente. O que faz as pessoas felizes ou tristes não tem muito que ver com o rendimento, tem muito mais que ver com alma , com o afeto e com o respeito. Não julguem por favor. Partilhem. Façam da erradicação da pobreza um projeto de vida e um lema para vender aos vossos filhos.

(texto publicado na edição de 30 de outubro de 2014)