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O meu diário: Pudor

Os nossos políticos têm de fazer um curso intensivo de pudor e aplicá-lo. Não podem dar notícias que arrasam com a vida das pessoas e depois aparecer nos teatros às gargalhadas.

Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Pudor não é corar quando nos soltam um piropo ou puxar a saia para baixo quando nos sentamos no sofá. Se assim fosse já estaria há muito tempo despudorada, dado que já ninguém me lança piropos, e as saias que uso, já têm quase sempre tamanho suficiente para não me preocupar em demasia com o que pode acontecer.

Pudor é sobretudo o respeito pelo outro, o pensar no outro, o colocar­-se no lugar do outro. Ia no elevador um dia destes e começo a falar sozinha. Castigo! Sempre gozei com a minha mãe por o fazer e estou tal e qual. Vão por mim, quanto mais gozarem com um mau hábito dos vossos pais mais probabilidade têm de o contrair. Está nos genes. No tal elevador entrou uma alma, que me apanhou a falar sozinha e eu tive de me explicar. Que não, que ainda não estou completamente doidinha, que só estou cansada e farta de tanto trabalho. Que até me acho muito normal, mas com este trabalho todo não dá para gerir. A lição de moral veio do outro lado: não se queixe do trabalho quando milhares queriam essa desgraça. Quantos portugueses ambicionavam estar estafadinhos de tanto trabalhar. Falta de pudor sim senhora. Bela ocasião para estar caladinha.

Costumo tentar ser comedida e não ostentar a minha felicidade aos meus doentes em sofrimento. Se alguém está a morrer não posso ir lá dizer que vou de férias para as Caraíbas e que vai ser fantástico. Não me fica bem, não é o meu estilo, não seria entendido. Há dias que não fica bem ser feliz. Se a minha amiga está em processo de divórcio não lhe vou atirar à cara as rosas que o meu marido me enviou. Esta é só mesmo para exemplificar, porque nessa matéria posso ser verdadeira, que o rapaz nunca tem desses rasgos. Enfim, estilos!

Os nossos políticos têm de fazer um curso intensivo de pudor e aplicá-lo. Não podem dar notícias que arrasam com a vida das pessoas e depois aparecer nos teatros às gargalhadas, não podem ter cinco motoristas enquanto a maioria já quase não tem dinheiro para os transportes, não podem pagar subsídio de Natal aos amigalhaços e tirá-lo ao resto da malta. Apesar da crise ser para alguns apenas aquela angústia do que me poderá acontecer, para outros representa um sofrimento sentido na pele. Vamos lá ver senhores da política se têm algum pudor, ou direi mesmo vergonha na cara?

(texto publicado a 30 de novembro de 2012)