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O meu diário: Voluntário

Quando nos damos é sempre um acto de amor. É esse amor que move os voluntários e os tira de casa, do seu conforto.

Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

O que leva centenas de pessoas a deixarem o seu conforto, o seu lazer para irem ao encontro dos outros e dos seus problemas? O que os move, o que os define? Generosidade? Altruísmo?

Não será dinheiro ou mesmo poder que os comanda dado a forma anónima e gratuita do seu trabalho. E tal facto parece quase inverosímil nos dias de hoje. Tal facto só pode ser louvável nos dias de hoje. Ainda há gente que não se move por poder ou dinheiro. Que até parece desprezá-los, como se estas duas coisas não representassem os dois factores com mais capacidade propulsiva na terra.

Saem de casa e vão para o hospital falar ou sobretudo ouvir os outros. Saem de casa e vão visitar idosos. Saem de casa e vão tomar conta de deficientes. Saem de casa para visitar presos. Saem de casa para cantar para os outros, para ler, para ouvir. Saem de casa para se dar aos outros. Não dão mais nada do que se darem a eles próprios.

O verbo dar na forma reflexiva é um dos mais difíceis de conjugar. E se reflectirmos, dar-se ou dar-me implica sempre, o que é a chave de todo o segredo, o cerne da questão, que é essa coisa que até nos parece ridícula e que se chama amor. Quando nos damos é sempre um acto de amor. É esse amor que move os voluntários e os tira de casa, do seu conforto.

É essa capacidade de amar que é comum a todos eles. É essa ridícula e doce fraqueza que os amolece e os faz transpor a preguiça e a inércia e sair até junto dos outros nas suas diferentes formas de vulnerabilidade. Os doentes, os pobres, os indefesos, os que não têm voz ou protagonismo. Os voluntários levam muito a toda a gente e nada pedem em troca. Não pedem dinheiro, nem cargos, nem votos.

Nada esperam de volta mas geralmente vêm carregados de coisas que lhes dão alento para continuar. Vêm de alma cheia, de mil histórias, de sorrisos e olhares, de alegrias e tristezas, vêm carregados de humanidade.

E a propósito do voluntariado, ouvia há dias um ex-recluso explicar o que sentia quando chegava um voluntário à prisão e o principal sentimento era incredibilidade. Como era possível alguém desinteressadamente vir visitar e perder tempo com alguém, que socialmente nem sequer era recomendável. E o mais incrível: não queria nada em troca.

E ele explicava que nesse meio ainda parecia mais estranho essa gratuitidade dos serviços e de tal forma o tocou, que quando saiu da prisão se juntou a esse batalhão dos que se importam.

No mundo esta gente merece o nosso respeito, a nossa admiração e sobretudo o nosso obrigado.

(texto publicado na edição em papel de 9 de Dezembro de 2011)