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Passageiro do tempo: As portas do mundo que Abril abriu

Apesar de terem passado apenas quarenta anos o salto dado pelos país e pelos portugueses foi marcante, o Portugal de hoje é profundamente diferente do país onde nasci, quase medieval.

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José Manuel Silva, professor/Gestor do ensino superior jmsilva.leiria@gmail.com

Um dia acordei e as tropas estavam nas ruas. Começou aí um dos períodos mais desafiantes da minha vida e ter tido a oportunidade de viver uma revolução e de ser parte dela é uma experiência empolgante e inolvidável; muito do que sou tem a marca desse período em que me moldei para a vida nos valores da liberdade, da democracia, da justiça social, inebriado pela ideia de ajudar a mudar o mundo.

E o mundo mudou, e muito. O Portugal de hoje mantém as suas raízes centenárias mas os seus ramos cresceram em múltiplas direções, somos europeístas, que sempre fomos, naturalmente, mas buscámos sempre no Atlântico e a partir dele nos outros mares o que a Espanha nos barrava, um caminho livre para a Europa mais central. O mar foi a opção inteligente para um povo que se quis independente, sem a aventura dos descobrimentos não teria sido possível manter a independência face ao gigante Castelhano.

Entre “As portas que Abril abriu”, como diz o poeta Manuel Alegre, a Europa foi das mais inspiradoras, o Portugal contemporâneo é produto deste recentrar da história Lusa, da Europa não nos vieram só os milhões, veio-nos uma nova mentalidade, feita de abertura de espírito, de respeito pelos outros, pelos seus costumes, ideologias e línguas, os jovens portugueses são um produto e um exemplo de engenharia educativa e social ao serviço da transformação dos povos, veja-se o programa Erasmus que tem feito mais pela cidadania europeia do que qualquer empreendimento unificador resultante de sonhos imperiais.

É certo que Portugal foi sempre um desbravador de mundos, mas sem a integração atual na União Europeia nunca teríamos chegado onde estamos em termos de abertura a todas as latitudes, por uma razão simples, Portugal não tinha escala para construir as bases indispensáveis a uma alavancagem das suas potencialidades.

Apesar de terem passado apenas quarenta anos o salto dado pelos país e pelos portugueses foi marcante, o Portugal de hoje é profundamente diferente do país onde nasci, quase medieval, fechado sobre si próprio, onde as desigualdades sociais eram brutais. Hoje alguns tendem a querer diminuir o património de Abril, como se de uma revolução falhada se tratasse. Pelo contrário, foi Abril que nos abriu as portas do futuro e é por isso que os portugueses se sentem hoje verdadeiros cidadãos do mundo.

(texto publicado na edição de 24 de abril de 2014)