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Passageiro do tempo: Identidade e cidadania

O exemplo do Papa Francisco e o de Tim Cook têm em comum o facto de serem a expressão de um mesmo desejo de afirmar talvez o mais básico direito de cidadania.

José Manuel Silva, professor/Gestor do ensino superiorjmsilva.leiria@gmail.com
José Manuel Silva, professor/Gestor do ensino superior jmsilva.leiria@gmail.com

O Papa Francisco casou recentemente um católico divorciado e uma mãe solteira. Tim Cook, o líder da Apple, assumiu há poucos dias a sua homossexualidade. Dois factos aparentemente sem relação mas que sublinham um dos valores fundamentais das sociedades mais evoluídas da atualidade, o direito à diferença como salvaguarda da identidade na cidadania.

No primeiro caso, o Papa que veio “quase do fim do mundo” e cujas primeiras preces foram ““Rezem por mim para que seja abençoado” tem multiplicado exemplos de que a Igreja tem as portas abertas a todos os diferentes e deu expressão à tradição ancestral de abertura, compreensão e perdão ensinada a todos os catecúmenos quando Jesus perante a mulher adúltera que queriam executar por lapidação, como ainda hoje se pratica sob a invocação de outros credos, afirmou “Aquele dentre vós que estiver sem pecado que lhe atire a primeira pedra”, assim a salvando de uma morte hedionda.

Tim Cook é um dos expoentes da sociedade capitalista contemporânea, é o rosto de uma marca global, faz parte do grupo de visionários realizadores da obra extraordinária de terem sido capazes de transformarem os seus sonhos nas nossas necessidades. Lidera uma empresa próspera, emprega milhares de pessoas, gere milhões de dólares, cria produtos inovadores que são sucessos de vendas e valoriza o investimento dos acionistas.

A sua orientação sexual deveria ser um assunto privado mas, como ficou provado, não é e há uma razão poderosa para que assim seja. O seu exemplo pode ajudar a mudar mentalidades, pode contribuir para que quem ainda discrimina cidadãos por qualquer forma de diferença significativa, seja a orientação sexual, religiosa, uma deficiência congénita ou adquirida, ou outra qualquer, reflita sobre a possibilidade de abrir o espírito aos ventos do tempo presente e tome a identidade como um valor básico da cidadania.

O exemplo do Papa Francisco e o de Tim Cook têm em comum o facto de serem a expressão de um mesmo desejo de afirmar talvez o mais básico direito de cidadania, a expressão livremente assumida da identidade individual como forma enriquecedora de diferença num mundo de iguais.

(texto publicado na edição de 6 de novembro de 2014)