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José Manuel Silva

Professor/gestor do ensino superior

Passageiro do tempo: País de sonho

Quem vira as costa à AR, admite que também lhe virem as costas. Portugal é um país, não é um reality show.

jmsilva2350@gmail.com

Escrevo quando nas Tvs ecoa a vitória do Flamengo na Libertadores e Jorge Jesus é recebido no Rio como um herói. Não há noção da realidade, um jogo de futebol é equiparado a um acontecimento de primeira grandeza social e política; que interessa Bolsonaro, Trump, Maduro, a crise no Chile, na Bolívia, em cada rincão onde há assimetrias sociais obscenas? Nada, viva o Jesus, o Jorge, milagreiro de ocasião.

A formação dos novos médicos custa 100 mil euros, mas alguém ingénuo, veio sugerir que se comprometam a dar ao SNS, durante alguns anos, o que o país lhes deu. Logo se levantou uma vozearia protestando. Eu passei por isso, com mais uma centena de portugueses, quando beneficiámos de uma bolsa de estudo de dois anos para estudar no estrangeiro e ficámos obrigados a cumprir quatro anos de serviço (o dobro) sem poder ir para outra instituição. Ninguém protestou e nós ficámos agradecidos.

Os problemas na saúde não abrandam e os responsáveis concorrem para isso. Se um doente dá um espirro num serviço público, temos notícia de abertura de telejornal, e logo a Ministra virá falar urbi et orbi. Não há gestão intermédia? A saúde é objeto de palpites à semelhança dos jogos de futebol e Ministério, Sindicatos e Ordens, em vez de falarem em privado, põem tudo na Praça Pública que é o melhor meio para dificultar o diálogo.

Os polícias manifestaram-se e desavergonhadamente viraram as costas ao Parlamento; fazer isso ao Diretor Nacional, foi mau, ao Governo, péssimo, ao Parlamento inaceitável. A intervenção do MAI na TV depois da manifestação foi patética. Onde está o sentido de Estado? Os polícias têm razão, o pessoal da saúde tem razão, os professores têm razão, todos os que protestam têm razão, mas o respeito às instituições deve estar acima das nossas razões de queixa. Quem vira as costa à AR, admite que também lhe virem as costas. Portugal é um país, não é um reality show.

(Artigo publicado na edição de 28 de novembro de 2019 do REGIÃO DE LEIRIA)