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O meu diário: Soja

Nunca gostei de indecisos, nem são carne, nem são peixe. Costumo-os apelidar de soja.

Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Nunca gostei de indecisos, nem são carne, nem são peixe. Costumo-os apelidar de soja. E não é que o diabo da soja pegou moda? Ora, ou somos do Porto ou do Benfica ou de outro qualquer (mesmo que seja o Sporting), e não do sim, não, talvez. Claro que perdemos a esquerda quando voltamos para a direita, é mesmo assim a vida, mas se voltamos para um lado é inevitável. E talvez o errado não seja nem a esquerda nem a direita, mas a incapacidade de voltar.

A hesitação é verdadeira e normal. É preciso refletir antes de decidir. Quando me refiro a soja são aqueles que querem estar bem com todos, que não tomam partido, que não seguem rumos. Ser diplomata e tolerante é uma coisa diferente. Ninguém gosta de perder, mas na vida é preciso perder, é imperioso tomar partido por alguém ou por algo.

Por exemplo, entre marido e mulher não metas a colher, e é à custa deste ditado que muitas acabam no cemitério. Porque não nos ralamos que o vizinho a espanque, dois dias depois já passam abraçados. Não queremos chatices, não queremos conflitos, não queremos embates.

Os nim matam-me. Não decidem, não agem e só empatam. O pior é que esta raça abunda na classe política dirigente. Depois de instalados no aparelho partidário, não querem cisões, que nunca se sabe o dia de amanhã. Nem são do Seguro nem do Costa, que a malta tem de manter a influência e deu muito trabalho e jogo de cintura, chegar onde se chegou. Só encostados à parede e ameaçados se decidem muito a medo.

Cultivam e preocupam-se de uma forma excessiva com a imagem pública de modo a nunca se comprometerem com ninguém. Ser ambíguo é o que está a dar. Não foi bem isso que se disse e tudo tem duas leituras conforme o que interessa. Dignidade, isso é um atributo não aplicável à maioria de quem está na vida pública.

Urge, pois, educar para a dignidade, para a frontalidade, para a decisão. E depois logo de seguida educar para a ação. Só assim terei esperança num mundo diferente, se possível sem soja.

(texto publicado a 31 de janeiro de 2013)