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Rosto da médica Helena Vasconcelos

Helena Vasconcelos

Médica

hml.vasconcelos@gmail.com

O meu diário: Ucrânia

Parece-nos pouco o que a Europa está a fazer por eles, mas convém lembrar que do outro lado temos um líder perturbado, frio e implacável.

Tudo o que possamos dizer é pouco para qualificar a nobreza deste povo posto à prova numa situação tão extrema como esta. Porque somos todos Ucrânia? Porque nos identificamos com as pessoas e porque todos conhecemos cidadãos da Ucrânia. Quando os vemos na televisão vemo-nos a nós: as mesmas roupas, as mesmas casas, as mesmas crianças e os mesmos empregos. Fico a adivinhar o que levam nas malas os que fogem, o que levaria numa mala pequena se tivesse de fugir? Vejo os brinquedos das crianças, os cães com os donos nos abrigos e também me vejo ali indefesa, sem esperança, angustiada com tudo. Penso nos meus colegas nos hospitais com a sua vida à mercê da razoabilidade ética dos militares russos que vão atacando civis ora propositadamente ou porque falham o alvo. Vejo os meus colegas a lutar com a escassez de medicamentos, de material cirúrgico e a ter que racionar os gastos para que não se esgotem as coisas.

Depois vejo os ucranianos como heróis saídos de um conto de fadas onde os fracos vencem os fortes, porque têm mais vontade, mais coragem e sobretudo são mais unidos Eles são um verdadeiro filme épico. A Ucrânia tem sofrido muitos dissabores e tem na sua história feridas não fechadas e muitas, muitas cicatrizes. Só um povo habituado a sofrer consegue ter esta resiliência, esta coragem, este morrer de pé.

Por vezes e numa ótica mais apaixonada parece-nos pouco o que a Europa está a fazer por eles, mas convém lembrar que do outro lado temos um líder perturbado, frio e implacável capaz de atrocidades que não parecem ser dos nossos tempos. E mais do que isso, tem acesso ao tal botão que pode acabar com o sentido de todos os argumentos.

Também penso na maioria do povo russo, mais conhecido como os russos e tidos de uma forma geral como os maus da fita, encurralados à mercê de um ditador que lhes tira a liberdade de se manifestar, de decidir e apenas lhes deixa o desdém dos outros povos.

Como seria tudo mais fácil se fossem as mães a mandarem, as mães a comandarem. Sensatez é o que mais precisamos para perceber que existem limites para tudo e que nada vale mais do uma vida. Não queremos heróis com o seu nome em memoriais, queremos gente a viver, a trabalhar, a viajar, a ter famílias, e morrer de velhinhos de forma anónima.