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Cultura

Todos os dias são descobertas surpresas sobre o Castelo de Leiria

Há muitas novidades a surgir nas escavações arqueológicas que decorrem até ao fim de Abril no Castelo de Leiria para se conhecer melhor a história do monumento e do sítio onde está construído.

Há muitas novidades a surgir nas escavações arqueológicas que decorrem até ao fim de Abril no Castelo de Leiria e que pretendem conhecer melhor a história do monumento e do sítio onde está construído.

O morro do Castelo de Leiria é habitado há pelo menos 4.000 anos. Actualmente decorrem trabalhos integrados no Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos para perceber melhor a história antes e depois da construção do monumento. E, como sublinha a arqueóloga Isabel Inácio, “todos os dias há surpresas” que são desenterradas no Castelo.

O programa contempla escavações em apenas 100 metros quadrados, mas há já diversos dados novos e algumas surpresas sobre a ocupação do sítio e do monumento.

As escavações são apenas uma parte da intervenção, que contempla ainda prospecção geofísica, estudo de materiais antigos, pesquisa documental e registo geométrico e fotogramétrico de algumas estruturas.

Veja o vídeo e leia as entrevistas com as arqueólogas responsáveis pela investigação.

 

Vânia Carvalho, arqueóloga da Câmara Municipal de Leiria, que dirige a investigação:

“O que interessa é que as pessoas saibam o que isto muda na história da cidade”

 

O que torna esta investigação diferente das anteriores?
Este é o primeiro projecto de investigação realizado com o intuito de conhecer a fundo aquilo que é a ocupação humana deste morro. Houve uma escavação nos anos 90 cujo objectivo se prendia com o restauro da Torre de Menagem e a construção de um espaço de exposição. Estes trabalhos de arqueologia – a escavação é um décimo de todo o projecto – envolvem múltiplas tarefas. A montante tivemos todo um trabalho de pesquisa documental, estudo de espólio antigo, de prospecção arqueológica (que definiu as áreas onde localizámos as sondagens) e, neste momento, estão a decorrer três trabalhos principais: a escavação (ou sondagens manuais), a prospecção geofísica, que nos vai permitir completar e complementar as sondagens manuais (permitindo uma leitura em raio-x daquilo que é o monumento de forma muito mais consistente) e a documentação geométrica e fotogramétrica de algumas estruturas.

Vânia Carvalho (fotografia: Beto Raínho)

Quando se conhecerão resultados?
Em Maio teremos os relatórios técnicos, que nos vão permitir fazer o que é o trabalho dos arqueólogos: cruzar toda a documentação (sondagens manuais, prospecção geofísico e trabalho de levantamento e documentação geométrico de algumas estruturas – SIG e fotogrametria) e, do somatório, conseguir efectivamente ter um estudo de diagnóstico muito mais claro do castelo mas também da ocupação do morro nestes 4.000 anos. Nos últimos dez anos, descobrimos que há de facto uma reconstrução na Reconquista – e D. Afonso Henriques tem um papel fundamental -, mas antes disso isto era um povoado que comerciava com fenícios e, ainda antes disso, tinha cabanas e toda uma vida durante uma época que chamamos de Idade do Bronze. Nós achamos que vamos encontrar coisas mais antigas, com 5.000 anos e até mais, provavelmente. E depois tem ocupação romana, com peças fabulosas de cerâmica romana, as duas casas no m|i|mo, encontrámos sigillatas [cerâmica de luxo], vidro romano, colunas… Não era uma aldeia romana de pequena dimensão. Há aqui uma ocupação efectiva e que é muito interessante, porque permite cruzar dados com a villa romana Martim Gil. E temos a noção que, além de Collipo, nós tínhamos um outro povoado interessante nesta zona, mas não seria tão importante. Este um sítio fabuloso, porque estamos a ver o castelo, mas podemos ir construindo todas estas povoações umas em cima das outras. São histórias de todos os habitantes que por aqui passaram.

Mas há uns habitantes em particular de que andam à procura…
Estamos à procura de ocupação islâmica clara. Temos cerâmicas que foram encontradas nas escavações da Torre de Menagem, que são da época emiral, ou seja do séc. X ao séc. XII, cerâmicas de banda com pinturas a branco, só que essas cerâmicas chegam de facto ao séc. XII-XIII e ainda há a possibilidade de serem mais tardias. Esperamos efectivamente que sejam mais antigos. Mas estamos a tentar descobrir níveis islâmicos. Quando conseguirmos, esse dia será um dia bastante interessante.

Porquê?
Se o morro foi ocupado por povoações da idade do Bronze e Ferro e pelos romanos, estas pessoas todas não se foram embora no período islâmico. Esta zona é elevada e é um sítio privilegiado, com óptimos terrenos agrícolas, dois rios, junto do mar.. No período islâmico não se foram embora, não pode ser! Espero que daqui a um mês tenhamos islâmico aqui para fazer um livro. Mas se não tivermos não significa que não há. Significa que nos cem metros que abrimos não encontrámos.

Ainda fica muito por escavar no castelo…
Este trabalho é um trabalho inicial. É a ponta do iceberg. O que se pretende é que, no futuro, com muito mais conhecimento do que é a história deste morro e do castelo, possamos avançar para outros projectos, de escavação preferencial: na Colegiada, que é fabulosa e que precisa de um trabalho de escavação distinto, e também noutras zonas, em busca de provas da presença islâmica.

É estranho que nunca tenha havido um trabalho arqueológico antes, como este, no Castelo de Leiria…
Nos últimos anos, as escavações a nível nacional, decorrem de trabalhos essencialmente resultantes de grandes obras públicas, trabalhos de acompanhamento e trabalhos preventivos. É necessário haver um investimento público para investigação. Aqui houve um estratégia bastante bem definida, que tem como fim requalificar o castelo, para usufruto público, permitindo a existência de cafetarias, melhores acesso e outras coisas, mas que tem esta base, de investigação, que nos permite ter um conhecimento maior do sítio maior importante de Leiria. Se me perguntarem quais são os dois sítios arqueológicos mais importantes do concelho, eles são o Abrigo do Lagar Velho e o Castelo. E também Collipo, que está dividido entre dois concelhos, e merecia melhores amigos…

O que vão fazer com o resultado desta investigação?
Já estamos a desenhar o que será a divulgação futura. Estamos a agendar a apresentação das conclusões em congressos científicos, mas também as apresentações públicas na cidade. Estes trabalhos só têm interesse se houver retorno público deles. Não nos interessa para nada escavar, guardar os cacos na reserva e ter um relatório técnico que lerei eu e mais quatro pessoas. O que interessa é que as pessoas saibam o que isto muda na história da cidade. E o que muda? Neste momento temos uma necrópole onde há um investimento claro. A Igreja de Nossa Senhora da Pena em teoria teria que ter enterramentos, e sabemos agora que os tem, com estruturas de qualidade. E temos, como diz a antropóloga, um “Menino de Oiro”, que foi enterrado numa sepultura de adulto. Esta criança tinha seguramente uma família importante por trás e terá uma história grande por descobrir.

A necrópole da Igreja da Pena revela enterramentos de crianças que terão pertencido a famílias importantes

 

Isabel Inácio, arqueóloga da ArqueoHoje,responsável pelas escavações:

“Todos os dias há surpresas”

 

As escavações ainda estão sensivelmente a meio, mas é possível fazer um balanço do que foi feito até agora?
Está a correr bem, felizmente. Desde o tempo, que tem ajudado, o que é muito importante! Estamos a encontrar dados interessantes, nas sondagens que já abrimos, que se desconheciam na história do Castelo.

Isabel Inácio

Arqueologia também é um pouco de sorte…
…como por exemplo no caso da necrópole da Igreja da Pena: se fizéssemos a sondagem [escavação] ao lado, possivelmente encontraríamos enterramentos, mas se calhar não com esta questão tão particular. Apesar de todo o trabalho de casa que fazemos, e também no campo, aplicando a experiência, olhar o terreno, tentar perceber onde pode ser e onde não pode ser, às vezes estas questões fazem toda a diferença!

O que encontraram na necrópole da Igreja da Pena?
Esta não estávamos à espera de sepulturas com esta especificidade. Estávamos à espera de enterramentos e sepulturas, mas não é frequente ter uma  sepultura quase sem terra nem é frequente afastarem-se adultos para enterrar uma criança. Não é frequente, mas encontrámos isso aqui.

E nas restantes sondagens?
Também foi uma surpresa, na sondagem 5, os muros na Sacristia. Não contávamos encontrar a estrutura da torre tão funda e tão boa, nem as canalizações, nem os muros que estão por baixo, anulados, onde temos ainda alguma coisa para descobrir. Pode significar que ali houve uma ocupação que se desconhece ou que será a ocupação que está presente na época medieval. Ou seja, que havia aqui casas e estruturas, como está no levantamento feito pelo dr. Saul [António Gomes]. Pelo tipo de materiais que estão a aparecer, não sabemos muito bem o que se passa ali, é acaba por ser uma surpresa.

Também há vestígios romanos…
Encontrámos cerâmica romana e tégulas [espécie de telha em barro]. Está bem que é próximo da linha de muralhas, mas ainda não tinham sido  encontrados cá dentro. Todos os dias há surpresas. Mas no final é que se pode fazer o balanço.

Há a esperança de encontrar, no Castelo de Leiria, vestígios da presença islâmica…
Também tem a ver com a sorte. Temos o propósito muito específico de perceber a estratigrafia do Castelo em diferentes sítios. Se fizéssemos sondagens mais alargadas e noutros sítios, se calhar teríamos mais hipóteses de encontrar alguma coisa islâmica. Mas, aqui, o não existir também é importante. Estamos numa linha de fronteira, entre Lisboa e o Mondego. Era uma zona complicada, onde há uma série de interrogações [sobre a presença islâmica]. Há informações de construção de fortalezas, mas não se tem a certeza onde são. Terá sido nesta zona, mas não sabemos onde. Pode ser aqui, em Ourém, em Porto de Mós ou num serro desconhecido, que não damos nada por ele ou que já tenha sido muito urbanizado e não há hipótese de o encontrar. Aqui, pela sua localização, é um bom local para defesa da linha do Tejo. É uma questão de continuar a procurar. Em arqueologia, a ausência nunca é definitiva. Basta haver outras condições ou escavar dois metros ao lado pode aparecer alguma coisa.

Leia a reportagem completa na edição de 15 de Abril de 2011 do REGIÃO DE LEIRIA

textos: Manuel Leiria
fotografias: Sérgio Claro

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