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Sociedade

Mário Soares: um político com ligações a Leiria

Mário Soares viveu e estudou em Leiria. Nas Cortes criou uma casa-museu que perpetua as memórias das suas origens: o ex-Presidente da República tem raízes na terra de seu pai, João Soares.

O ex-Presidente da República, Mário Soares, que hoje faleceu, era filho de João Soares, que foi político, professor e pedagogo. Natural do concelho de Leiria, a memória de João Soares foi perpetuada com a abertura da Casa Museu João Soares, em Cortes, Leiria, em dezembro de 1996.

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Inauguração da biblioteca da Casa Museu João Soares, em novembro de 1998, nas Cortes, Leiria

Por essa razão, Mário Soares mantinha uma ligação a Leiria, cidade onde aliás estudou. Em entrevista concedida ao REGIÃO DE LEIRIA, em 2001, Mário Soares referiu-se à mais antiga memória que preservava do seu pai: “As recordações que conservo do meu Pai reportam-se à mais tenra infância. São pequenas coisas,gestos de ternura e de amor. Nesse tempo remoto, nos anos iniciais da ditadura, o meu Pai tinha uma vida muito ocupada de conspirador republicano em luta pelo restabelecimento das liberdades”.

O antigo Presidente da República lembrou ainda que “as Cortes,nesse tempo,ainda não existiam ainda no meu horizonte. Fiz em Leiria,no Liceu Rodrigues Lobo,o meu primeiro exame de admissão ao liceu. O meu Pai estava então preso e deportado nos Açores,na Fortaleza de São João Baptista, em Angra do Heroísmo. Eu tinha feito a quarta classe na escola pública das Caldas da Rainha, albergado então em casa do velho farmacêutico e revolucionário Maldonado Freitas, amigo de meu Pai. Fiquei, depois, em Leiria, em casa do meu primo João Santos,a quem o meu Pai chamava o João preto (por ser muito moreno),duas ou três semanas,a preparar o exame de admissão ao liceu. A casa era no começo da encosta de Nossa Senhora da Encarnação.”

Nessa entrevista, Mário Soares revelou que as mais antigas recordações da cidade do Lis lhe estavam inscritas na memória como ilustrações do burgo descrito por Eça de Queirós,no “Crime do Padre Amaro”. Entre as imagens do passado constam a praça onde ficava a farmácia do Coelho de Freitas, a Sé, e a garagem do seu primo (e do sócio, Senhor Marques) na antiga estrada para a Figueira.

Na altura em que concedeu a entrevista, Mário Soares era deputado europeu. Ao REGIÃO DE LEIRIA abordou ainda  o que entendia dever ser a perspetiva de futuro desta região e da sua ligação à Europa. Uma matéria em que se colocou à disposição de Leiria: “Leiria deve procurar ter um maior relacionamento com a União Europeia, procurando colher o maior número de apoios financeiros no Quadro Comunitário de Apoio. Com conhecimento de causa e imaginação. Nesse particular, como  deputado europeu, modestamente, estou à disposição de Leiria”.

Num registo mais descontraído, Mário Soares invocou ainda a gastronomia regional, declarando-se fã: “os grelos de Leiria são incomparáveis, sobretudo quando acompanham a característica morcela de arroz…”, referiu então.

 
Uma figura incontornável da democracia

Mário Soares, que hoje morreu aos 92 anos, desempenhou os mais altos cargos no país e a sua vida confunde-se com a própria história contemporânea portuguesa, sendo fundador e primeiro líder do PS após combater o Estado Novo.

Filho de João Lopes Soares, um ministro na I República, e de Elisa Nobre Baptista, Mário Alberto Nobre Lopes Soares nasceu a 07 de dezembro de 1924, em Lisboa, tendo estado omnipresente na vida pública do país, tanto nas décadas anteriores à revolução de 25 de Abril de 1974, como nos primeiros 40 anos da democracia portuguesa.

Preso político e posteriormente exilado em São Tomé e Príncipe e França durante a ditadura, Soares regressou “em ombros” à sua pátria em 1974 para desempenhar as pastas dos Negócios Estrangeiros dos primeiros governos provisórios, liderar os I, II e IX Governos Constitucionais (1976-78 e 1983-85), até chegar à Presidência da República, no Palácio de Belém, onde ficaria por dois mandatos (1986-1996).

Durante uma das estadas na prisão, em 1949, casou-se com Maria de Jesus Barroso, então atriz, com a qual teve dois filhos, Isabel, que dirige o Colégio Moderno, e João, que viria a ser presidente da Câmara Municipal de Lisboa e é atualmente deputado do PS.

Mário Soares, numa visita à Marinha Grande, junto do antigo presidente de Câmara Álvaro Órfão e do antigo deputado Osvaldo Castro
Mário Soares, numa visita à Marinha Grande, junto do antigo presidente de Câmara Álvaro Órfão e do antigo deputado Osvaldo Castro

Em 1943, o licenciado em Ciências Históricas-Filosóficas (1951) e em Direito (1957) aderiu, na clandestinidade, ao Partido Comunista Português, do qual seria formalmente expulso em 1950.

Desde a fundação do PS, na localidade alemã de Bad Munstereifel, a 19 de abril de 1973, Soares desempenhou o cargo de secretário-geral dos socialistas portugueses ao longo de 13 anos, até 1986.

Após a revolução de Abril, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros nos primeiros governos provisórios, esteve envolvido nos processos de reconhecimento da jovem democracia portuguesa e de descolonização da Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe e Moçambique e, no plano político interno, sobretudo em 1975, colocou-se na linha da frente contra o PREC (Processo Revolucionário em Curso).

Já como primeiro-ministro dos I e II governos Constitucionais, Soares teve de gerir o regresso de milhares de cidadãos das ex-colónias e uma situação de quase rutura financeira do país, que implicou, pela primeira vez, o recurso do país ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

A partir de 1977, foi pela mão de Mário Soares que começou o processo de adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE), concretizado a 12 de junho de 1985, também durante um Governo por si liderado (o IX, do “Bloco Central” PS/PSD).

Pouco depois, em 1986, Mário Soares sucedeu a Ramalho Eanes em Belém, derrotando primeiro outros candidatos de esquerda – Maria de Lurdes Pintassilgo e Salgado Zenha – e, na única segunda volta presidencial até agora realizada, o democrata-cristão Freitas do Amaral. Soares tornou-se então o primeiro chefe de Estado civil da democracia, após uma campanha que deixou na memória de muitos portugueses o mote: “Soares é fixe”.

Reeleito em 1991 para um segundo mandato em Belém – este marcado pela conflitualidade política com o então primeiro-ministro, Cavaco Silva – o fundador do PS foi ainda foi eurodeputado (1999) e novamente candidato à Presidência da República (2006), perdendo para Cavaco Silva e sendo ainda ultrapassado nos votos pelo também socialista Manuel Alegre.

Mário Soares manteve uma longa carreira política
Mário Soares manteve uma longa carreira política

Embora formalmente distante da primeira linha política desde 2006, Mário Soares manteve mesmo assim uma intervenção pública regular, que apenas foi interrompida por razões de saúde nos primeiros dois meses de 2013.

Nestes últimos anos, o antigo Presidente República destacou-se pela dureza das suas críticas ao “neoliberalismo”, ao funcionamento da União Europeia, ao Governo PSD/CDS de Pedro Passos Coelho, mas também à anterior liderança socialista de António José Seguro.

Depois das eleições europeias de 2014, durante a última crise interna dos socialistas, Mário Soares colocou-se logo ao início ao lado da candidatura vitoriosa do presidente da Câmara de Lisboa e atual secretário-geral, António Costa.

Em finais de 2015, foi a primeira personalidade socialista a visitar o ex-primeiro-ministro José Sócrates, primeiro no Estabelecimento Prisional de Évora, ocasião em que fez declarações polémicas contra a atuação das autoridades judiciárias neste caso, e depois em casa.

Após a morte da sua mulher, Maria de Jesus Barroso, em julho de 2015, começaram a ser raras as aparições públicas de Mário Soares.

Em 2016, já com a sua saúde debilitada, Mário Soares foi alvo de várias homenagens institucionais, a primeira quando recebeu em abril do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, numa cerimónia reservada, o diploma de deputado honorário no âmbito dos 40 anos da posse da Assembleia Constituinte.

A 23 de julho, o primeiro-ministro, António Costa, numa cerimónia pública que se realizou nos jardins de São Bento, prestou homenagem ao I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares, por ocasião dos 40 anos da posse deste executivo minoritário do PS.

Mário Soares esteve presente pela última vez numa sessão pública a 28 de setembro, quando o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, homenageou a antiga presidente da Cruz Vermelha Portuguesa Maria de Jesus Barroso.

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