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Cultura

Paulo Lameiro. “David Fonseca está cheio de razão, com os dados atuais é difícil aspirar a uma vitória”

O líder da candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura 2027 diz que há muito por fazer até à vitória. Mas Paulo Lameiro está convicto que Leiria vai ganhar

Um mês e poucos dias depois de entrar em funções, o líder da candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura 2027 diz que há muito por fazer até à vitória e aponta o dedo a políticos e agentes culturais. Entusiasma-o o que o processo pode garantir à cidade e à região e avança que o Oeste está com Leiria. Admitindo que a candidatura de Coimbra faz sentido, Paulo Lameiro está convicto que Leiria vai ganhar

A candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura (CEC) é uma necessidade ou uma consequência? Leiria precisa dela ou merece-a?
Pelas duas razões. Leiria tem um legado muito maior do que os leirienses têm consciência… há património, há agentes, há práticas, há obra milenar e até mesmo pré-histórica, que justificam que receba este evento. A minha motivação é saber que é fundamental ativar este processo de candidatura, para conseguir resultados que, neste momento, não existem por responsabilidade nossa. É necessário energizar os agentes culturais, económicos e, especialmente, políticos, para oferecer consciência global do lugar que a cultura tem no desenvolvimento de uma cidade, de um país e de um tempo. Temos andado a descurar esse processo. Pode haver até um legado histórico, mas o que verdadeiramente motiva é o manancial de mais-valias para nós, para a cidade e região.

Quais são as linhas mestras da candidatura?
Há três ideias centrais: em primeiro lugar, não estamos apenas a pensar apenas na cidade e, por isso, passámos a designar esta candidatura como Rede Cultura 2027. Quando se fala em matérias frágeis como a cultura, se não associarmos os poucos agentes e fundos nacionais e comunitários, dificilmente poderemos construir algo sólido. A primeira ideia passa por potenciar os agentes distintos de um território amplo. Juntando, já este ano, o que cada um tem, podemos ter um resultado muito superior àquilo que cada um faz sozinho. Em segundo lugar, queremos falar com as pessoas, uma a uma. Nada se faz sem a participação de todos e de que adianta haver uma ideia extraordinária se as pessoas não se sentem motivadas e envolvidas? O que estão a fazer muitas das cidades que competem para serem CEC? Contratam uma agência de comunicação, fazem um estudo de mercado, arranjam um lema, fazem uma campanha extraordinária e vendem uma ideia para a candidatura. Não pode ser assim. Temos de ouvir cada uma das pessoas, saber quais são os seus sonhos, as suas experiências e vontades, porque é do somatório deste mundo de sonhos e vontades que nascerá um lema que, depois, será trabalhado ao nível da comunicação. Mesmo que conduza para um caminho que nenhum de nós esperava, mas que é o nosso caminho. Isto é importante para os agentes políticos, económicos e culturais. Não se pode separar este triângulo. Por fim, a terceira ideia passa por olhar, profissionalmente, para a cultura. Temos de abandonar de vez a ideia de que a área da cultura tem menos impacto na vida quotidiana, económica e política do que todas as outras. Será preciso mudar procedimentos: por exemplo, da mesma forma que um guarda-redes não é um ponta de lança, na cultura existem papéis e competências muito próprias. Não se pode pensar que um vereador pode programar, que um diretor administrativo possa ser diretor de produção ou que uma frente de casa possa fazer figuração. O que acontece hoje não é por culpa ou responsabilidade de alguém – é por culpa de um histórico desinvestimento geral na cultura. Temos de colocar algum profissionalismo a todos os níveis na cultura. Isso implica planear sem ser em navegação à vista. A cultura é, talvez, de todas as áreas, a que tem um investimento mais a médio e longo, e muito longo, prazo. Qualquer investimento nesta área tem de ser geracional. Como as coisas demoram muito tempo, não podemos pensar que devemos consumir à carta. Vem um agente com uma produção e um amigo com um artista, vem uma companhia com uma lábia mais interessante e são contratados… Não pode ser gerido assim!

Há muito tempo que essa situação está diagnosticada e há muito que se confronta os políticos com isso e nada mudou.
A partir do momento em que o presidente da Câmara de Leiria avança com a possibilidade de Leiria concorrer a CEC, sabemos que, pelo menos, o responsável máximo do poder autárquico da cidade colocou como possibilidade haver este projeto. O presidente abriu essa porta que não é quixotesca. A nós, leirienses, faz falta que haja gente que venha de fora olhar para nós. Já repararam, por exemplo, que não sou eu quem tem o dossiê da música? Quem o tem é Celeste Afonso, sob proposta do professor João Bonifácio Serra. Sendo uma área mais fácil de percepcionar na cidade, admito que eu não teria distância suficiente para perceber o que importa verdadeiramente e o que nos distingue. Estamos a constituir vários grupos de trabalho em cada uma das áreas; para a Leitura e para o Livro e Pensamento, para as Artes Plásticas, para a Música. Há ainda um eixo da Espiritualidade. Resumindo, alguém de fora tem essa capacidade de nos observar e ajudar. Além disso, será que ter a classe política – o presidente e os restantes vereadores – pessoas externas à cidade, numa equipa alargada com outras pessoas da cidade, ligadas à cultura, à Gestão, Economia, Igreja ou associativismo cultural é uma auto-estrada para a transformação? Não! É um carreirinho muito pequenino! Não podemos ficar reféns do passado. Há a oportunidade de refrescar o cenário com alguma dinâmica nova. Hoje, não há programação, não há clareza sobre o modelo, mas há consciência disso e alguma abertura. Vamos aproveitar para que ela nos sirva para potenciar um resultado que vá além do carreirinho que se abriu agora.

“O que é o David fez para ajudar Leiria a melhorar alguma coisa?”

Em declarações ao “Jornal de Leiria”, David Fonseca disse que Leiria não tem condições de ser CEC. Surpreendeu-o?
Não só não me surpreendeu, como compreendo bem o David. É compreensível, quando estamos num “campeonato” que, até agora, se tem medido com os “músculos” do profissionalismo, da história da programação, dos apoios aos artistas locais, da capacidade de mobilizar forças nacionais e internacionais, se acredite que Leiria não tem possibilidades de ser CEC. Ele fala também na ideia de que, para ter sucesso, qualquer artista tem de sair de Leiria porque a cidade e região não têm capacidade de alimentar forças vivas culturais. Mas é um sinal extraordinário que Leiria não o consiga fazer. Qualquer artista de Leiria, com valor, está em diáspora pelo mundo! Neste projeto, iremos congregar a diáspora de músicos, atores, cenógrafos, pensadores, cientistas artistas plásticos que estão fora. Não podemos medir a possibilidade de sucesso deste projeto em função daquilo que aconteceu até agora. Se o fizermos, estaremos a menosprezar o que poderá acontecer a partir de agora. Estive a estudar a história das CEC e reparei que cidades que se transformaram imenso para as candidaturas não receberam o título. Há quem pense que o título é dinheiro. É outra ilusão. A União Europeia dá zero para a CEC e os valores têm oscilado entre os 40 e os 200 milhões. Somos nós, com as ideias que colocarmos em cima da mesa, que vamos, ou não, ser capazes de capitalizar esse investimento. O David está cheio de razão quando diz que, com os dados atuais, é difícil aspirar a uma vitória. Mas, por vezes, de alguma coisa que não se esperaria, de um pequeno projeto, acontecem impactos superiores aos que, inicialmente, suspeitávamos. Temos de ser capazes de pensar que não é por sermos uma cidade pequena, com pouca tradição em profissionalismo cultural que temos menos probabilidades. É responsável por termos mais ou menos probabilidade de ganhar cada um de nós! Cada um de nós é chamado a investir naquilo que é a sua área para que a percentagem de probabilidade de sucesso seja superior. Portanto, o David que nós amamos, porque é um grande músico e que sabemos que faz parte da história da cidade, é bom para ele que tenha ido para Lisboa e não trabalhe em Leiria. Isso não é necessariamente um mau sinal para a cidade. Não é sinal que a cidade o trate mal. É a escala da cidade. Hoje somos cidadãos do mundo. Ele é tão ou mais leiriense vivendo em Lisboa, em Nova Iorque ou nos Marrazes. Há uma agenda de competição neste processo e nós somos demasiado “linkados” ao futebol. Ganha quem marca mais “golos”. Na cultura não ganha quem marca mais golos nem sequer quem joga melhor. É muito rico e mais complexo do que isso. Se olharmos para esta competição como um jogo de futebol, sim: se não temos jogadores como A, B e C e se nunca ganhámos campeonato nenhum, como vamos agora ganhar?! Ele tem direito a dizer isso? Tem. Qualquer agente cultural tem direito a lamentar-se pelo pouco apoio que o município e as estruturas oferecem? Temos. Mas não basta lamentar. O que é que o David fez para ajudar Leiria a melhorar alguma coisa? Quando digo ele, digo qualquer um de nós. O que é que estas pessoas pessoas que inundam as redes sociais de tragédia já fez para transformar isto sem ser posts no Facebook? Somos chamados a fazer agora alguma coisa. Ainda em 2019 a Musicalmente faz muita questão de trabalhar um plano de apoio à cultura na cidade. Porque não há um plano de apoio – não é só falta de estratégia. Quem recebe apoios [atualmente, em Leiria]? Como diz o povo, quem chora mais e melhor, recebe mais. Não podemos distribuir recursos de todos por quem chora mais e melhor. Não pode ser! Temos de ter um plano de apoio em que as bandas, os coros, o associativismo, as escolas de dança, as galerias, o ensino superior, toda a gente, saiba quais são as regras pelas quais a cultura é apoiada, quais os objetivos inerentes a cada um dos eixos de apoio e todos saibam o que todos recebem! Isto é o primeiro passo para nos responsabilizar. Mas concordo com tudo o que disse o David e ainda tenho muito mais argumentos do que ele, porque estou em Leiria agora e ele não está; porque eu estou com “a mão na massa” e ele não está.

Há dois anos disse que as probabilidades de Leiria receber a CEC eram baixas. Mudou alguma coisa?
Mudou bastante. Vejo muito mais energia. Via um espírito muito mais derrotista e surpreso com a ideia. As pessoas começaram a ler os dossiês e a acompanhar. Em todos os agentes há uma disponibilidade para se investir um pouco mais na cultura. Por exemplo: “Oh Carlos [Matos], estás a fazer o Entremuralhas no Castelo: sabes quantas muralhas há neste território? Estavas disposto a fazer um festival com mais muralhas do que estas?”. E de repente estamos a trabalhar com outras muralhas! E há muitas outras muralhas interessadas! Mas o meu primeiro ato deste processo foi convidar o Instituto Politécnico de Leiria (IPL) para, a partir de determinada data, todas as aulas de todos os cursos comecem com um poema escolhido com um painel de especialistas da área do livro, lido pelos alunos ou pelos professores. Acredito que é mais intensa e transformadora a experiência de ter uma comunidade educativa do ensino superior a começar o dia a ler um poema numa aula de Matemática Geral, Sociologia ou Biologia Marinha do que a ter 20 espetáculos de ópera interativa com quatro estádios de futebol cheios de pessoas a ouvir. Não podemos ambicionar que os dez mil estudantes do IPL vão passar a ir ao teatro ou ir à [livraria] Arquivo beber um café e ler Sophia. Não vão! Mas temos de criar oportunidades para que o inesperado aconteça. Entre 20, 30 ou 100 alunos de uma aula de Biologia Marinha todos vão começar o dia de forma diferente se ouvirem poesia, interrogando-se, quanto mais não seja: “Que diabo é que deu a estes gajos para começarem a ler poesia agora?”. Interrogarem-se e ser-se crítico é o primeiro ponto de viragem para alguma coisa acontecer. E alguns deles vão de certeza interessar-se e querer saber quem é Sophia de Mello Breyner. Temos de encontrar fórmulas, naturalmente, de envolver as pessoas. Elas não têm a responsabilidade toda de consumirem cerveja e Quim Barreiros…

O papel IPL também era um dos aspetos, de uma lista que apontou há dois anos num seminário do REGIÃO DE LEIRIA, que podiam inviabilizar as possibilidades de Leiria ser CEC: a escala, a pequenez de pensamento, a falta de investimento dos orçamentos familiares na cultura, a falta de profissionalismo dos artistas e das instituições, a dependência dos fundos públicos, a falta de apoio à ideia de candidatura, a ausência de sistematização da programação e, vincou bastante, a inércia cultural do IPL. Não são muitos obstáculos?
Nem a muralha da Guerra dos Tronos é tão alta… Mas até a muralha da Guerra dos Tronos se ultrapassa, com e sem dragões! Ou seja, pode parecer que sejam necessárias armas mágicas, como investimentos brutais… Se tivermos 100 milhões tudo se resolve? Não é verdade. Não caiamos na tentação de pensar que a solução para tudo isto está em grandes investimentos! Se não somos capazes de administrar bem os 100 mil ou 200 mil que temos, seguramente não vamos administrar bem 100 milhões. Temos de iniciar uma gestão cuidadosa e profissional dos poucos recursos que temos. O IPL é importante porque é um dos eixos mais importantes da cultura da região. A cultura tem a ver com pessoas e pensamento e não com ausência de espetáculos. Somos uma cidade débil culturalmente não porque tenhamos poucos espetáculos, mas porque lemos pouco, pensamos pouco e estamos pouco uns com os outros a discutir ideias. A candidatura tem, por isso, de envolver todo o sistema educativo, da maternidade do hospital ao ensino superior. E de toda esta linha geracional é claro que o ensino superior é central porque é o espaço onde se pensa e onde se cruzam saberes. Muitas das áreas onde somos débeis na articulação cultural, nós temos cursos superiores para eles. É ridículo: temos Gestão Cultural, Programação Cultural, porque é que isso não acontece? Falta aqui alguma coisa. Em boa hora a nova direção do IPL optou ter um pro-presidente para a CEC [Samuel Rama]. É um sinal que veio desse seminário. Não podemos ter medo de dizer o que é uma realidade. Não somos inimigos uns dos outros por não pensarmos a mesma coisa. A nossa pequenez advém de confundirmos o que é o pensamento livre e crítico de cada um de nós, a que temos todos o direito. A arte é para isso: para nos tornarmos mais únicos, insubstituíveis. Por isso sempre achei estranho, não que o Politécnico não tenha programação cultural – era o que faltava -, mas a cultura do Politécnico, a cultura dos professores, do pensamento! A cultura não é o teatro, nem a dança nem a música… A cultura é importa-nos para não termos mais casos como o Brasil, com Bolsonaro, ou como os Estados Unidos [de Donald Trump]! Como é que pessoas inteligentes e sensíveis votam como votam e dizem o que dizem? Que mal fizemos nós à nossa sociedade para que isto possa acontecer? Ou como é que acontece o Brexit, num país que é o berço da Europa? Falta arte em Londres? Não, é cidade com mais produção artística do mundo. Agora, faltará uma cultura do pensamento, não em Londres, mas ao que está à volta. A importância de ir de Castanheira de Pera à Lourinhã, nesta linha do IPL, é o lado do pensamento crítico que a arte estimula e que a cultura oferece, que é verdadeiramente o que nos interessa, por essa transformação! Se queremos pôr arte no jardins de infância não é para as criancinhas terem mais um espetáculo por semana para as professoras descansarem uma horinha; é porque se for feito sistemicamente, com um plano, articulado entre diferentes agentes, corremos o “risco” de, daqui a uma geração, termos pessoas mais críticas e cidadãos mais envolvidos com a sua comunidade. A arte serve para isto. A arte contemporânea é aquela em que somos mais débeis na nossa cidade. Somos mais débeis porque ela é a que está mais próxima da nossa vida de hoje e é aquela que nos interpela e perturba mais. Só podemos olhar para a arte enquanto uma dimensão de nós que nos ajuda a interpretar o mundo e a nós próprios. É por isso que é importante envolver o IPL, pela dimensão do pensamento e da investigação. 

Aquilo que está a falar é, de certa maneira, criar público, uma das falhas do país e da nossa região.
Tenho receio de falar do conceito de criar público. Houve um tempo na história em que a arte era alguma coisa feita por artistas e consumida por público. Isto acabou. Ainda há práticas artísticas neste modelo. A arte hoje não é mais alguma coisa que eu consumo e compro feito por alguém que é especialista a fazer. Isto acabou, é um paradigma que faliu! Todos os modelos que tentam fazer isto, caem mais fundo ainda! Faço muitos serviços educativos pela Europa porque a Philharmonie do Luxemburgo, que tem um investimento de muitos milhões de euros por ano, pagos pela União Europeia, só tem público com mais de 60 anos. Eles acham que se eu for lá, encho-lhes a sala com bebés e pais e então dizem: “Você é que nos está a formar o público”. Todas as instituições que funcionam desta forma estão a dar dois tiros nos pés: o primeiro é porque ao olhar e receberem o bebé e a família como alguém que vai ser público mais tarde, não lhes oferecem os códigos de envolvimento para que sintam que aquilo é para eles aqui e agora e sentem que é para eles irem mais tarde ouvir a orquestra; o segundo é que ainda alimentam a ideia que a grande arte é a feita no grande palco à italiana ou na grande galeria de exposições e que o público são pessoas que vão consumir inferiormente aquele produto. Acredito muito mais num programação que esbate a separação entre artista e público e, portanto, não existem para mim serviços educativos. O que faço com as crianças é o que faço com qualquer pessoa. Vou a uma escola fazer coisas para pessoas e não para adultos pequeninos que mais tarde vão consumir a sério. Qualquer investimento estratégico feito nos anos 60, 70 e um pouquinho nos anos 80 em serviços educativos e pedagógicos está a desaparecer nas cidades com essa experiência. Porque hoje o que existe são os serviços sociais e de arte participativa. É toda a dinâmica que faz cada um de nós ter a capacidade de criar, de fazer. Se tiver alguém mais especialista a seu lado, constrói a um nível superior. É por aí que eu acredito que as coisas devem ir. Por termos parado 30 anos na história da cultura não podemos tentar importar para Leiria aquilo que se fazia há 30 anos nas cidades com experiência cultural. Não podemos cair nesta tentação, é um erro. Temos de olhar para o mundo hoje, aqui, com toda a sua dimensão. As tecnologias servem-nos para isso, para podermos criar mais intensamente, mais universal e transversalmente. Já agora, no território desta candidatura não estão só as comunidades intermunicipais de Leiria e do Oeste: estão todas as cidades europeias que integram a rede de cidades geminadas com quem Leiria tem relações. Reparem: existem mais relações culturais com algumas cidades da Europa com que estamos geminados do que com a Batalha! Isto admite-se? Faz sentido? Há mais relações culturais com cidades da Alemanha do que com a Batalha! Não pode ser. Temos de trabalhar isto sem pensar na ideia de formar públicos. É importante fornecer experiências emocionais pela arte, sem o pressuposto de que estou numa escala de valores a oferecer diferentes níveis de fruição. Vamos dizer poesia nas aulas de Biologia Marinha, não é para que estas pessoas vão consumir poesia, comprar livros ou ir ao teatro – é para lhes oferecer um momento único naquele dia, àquela hora.

Num desafio lançado pelo próprio líder da candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura, Paulo Lameiro foi entrevistado em simultâneo pelos jornalistas do REGIÃO DE LEIRIA, Manuel Leiria, e do “Jornal de Leiria”, Jacinto Silva Duro, no Mosteiro da Batalha. As fotografias são de Joaquim Dâmaso

Paulo Lameiro diz que “faz sentido” haver candidaturas de Leiria e Coimbra a Capital Europeia da Cultura. A de Leiria vai de Castanheira de Pera a Torres Vedras e de Tomar à Nazaré

 

 

 

A candidatura de Leiria tem 250 mil euros/ano para gastar nos próximos anos. “É nada” mas serão investidos em projetos de parceria que visem a internacionalização

 

 

 

Está lançado o desafio de levar o Entremuralhas a outros castelos da região. Há abertura da Fade In e interesse de diversas outras muralhas

 

 

 

Está em estudo a criação de um pavilhão para permitir experienciar o software de som para filmes e jogos criado por Nuno Fonseca, professor do Politécnico de Leiria

 

 

 

Lameiro concorda com David Fonseca: Leiria não tem condições para ser CEC. “Concordo e ainda tenho mais argumentos do que ele”

 

 

 

Ao Politécnico de Leiria foi lançado um desafio: nas primeiras aulas do dia, um professor ou um aluno lerem um poema

 

 

 

Mais do que construir salas, Leiria estuda a aposta em tendas equipadas para performances, para itinerarem pelo território da CEC

 

 

 

Leiria é uma cidade com problemas a nível cultural porque “lemos pouco, pensamos pouco e estamos pouco uns com os outros a discutir ideias”

 

 

 

Paulo Lameiro está “chocadíssimo” por ter vindo a descobrir que os agentes culturais de Leiria desconhecem “o que acontece na rua ao lado”. “Isso é mais importante do que ter dez encontros na Europa”

Prometi que não vou programar nem Musicalmente nem SAMP [para Leiria Capital Europeia da Cultura]. Não vou mexer em nada daquilo onde eu estou. Vou programar zero”

Os cinco sentidos pelo coordenador da candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura

“Os olhos que traem o nosso secreto desejo de sermos surpreendidos. Olhares que contam dos nossos espantos”

“Ouvir, porque ‘o som penetra mais fundo na alma humana’, porque nos organizou muito antes de o organizarmos a ele”

“Urge tocar de novo, sem wi-fi, sem medos, sem preconceitos e sem teclados”

“Precisamos de uma gastronomia de palavras e ideias, saborear em contraponto iguarias da terra, do mar, dos céus e do amor”

“É pelos aromas que nos atraímos e escolhemos, é pelo perfume que se multiplica o mundo. Que bem sabe cheirar o Atlântico no calor da caruma e das camarinheiras do nosso pinhal”

“A identidade [de Leiria] existe, mas é anónima para a maior parte de nós”

Há um fator agregador e identitário nesta candidatura? Leiria é apontada como uma cidade sem uma identidade que congregue pessoas e vontades.
Do ponto de vista cultural, há uma ausência de identidade… mas o mesmo se passa com a economia e política. No entanto, quando pensamos em Leiria, cada um olha apenas para uma parte da cidade. É verdade que ainda não temos um jardim, que o primeiro grande museu abriu há pouco tempo e aquilo que se fez não foi feito como parte de um processo ponderado e participado. A identidade existe, mas é anónima para a maior parte de nós. Não temos consciência do que está a acontecer ao nosso lado. Nos primeiros 30 dias de trabalho neste projeto, eu e a equipa da Musicalmente estivemos a perceber quem somos, onde estamos e o que estamos a fazer. Estamos a ponderar um território que se quer mais amplo do que a cidade, entre Castanheira de Pera e Torres Vedras, e entre Tomar e Nazaré… Ainda só reunimos com as instituições de Leiria e demos conta que elas não sabem o que as outras estão a fazer. A partir do momento em que colocarmos cada uma delas em contacto e com o que estão a fazer, a identidade virá ao de cima. Mas será essa identidade algo que tem alavancado e construído a cidade nos últimos 50 anos? Não e também não o tem feito economicamente e nem politicamente. Há elementos na cidade que são mais identitários do que a nós – que somos de cá – nos parece. Parece-me que a maior ausência é de alguém que lidere os processos. Há múltiplos projetos que, individualmente, são muito bons, mas que não se juntam para potenciar o que têm de melhor. Mas há uma identidade na cidade.

“A fronteira mental tem de ser muito mais ampla do que as fronteiras geográficas”

Numa pequena pesquisa, percebe-se que Aveiro, além de ter apresentado um Plano Estratégico para a Cultura, participou na Roménia numa conferência para cidades candidatas e vai acolher o próximo encontro; Évora apresentou o seu projeto no Salão Internacional do Património Cultural em Paris; e a Guarda propôs uma ligação privilegiada com Salamanca. Leiria, neste campo, já tem alguma coisa pensada?Nós vamos estar em Valladolid, numa feira de património europeia, onde vai estar a CEC também representada e já fui envolvido na elaboração da oferta cultural que vai ser apresentada. Temos uma agenda já prevista para nós e o IPL fazermos uma visita a duas das capitais para trocarmos experiências com os programadores. Nas conferências que vamos fazer no início do próximo ano, virão alguns programadores internacionais de algumas das cidades que foram CEC. Ainda assim, a dimensão internacional da candidatura vai muito mais ao encontro do que nós fazemos na nossa cidade que contemple a dimensão europeia da cidade. Tem muito mais a ver com o nosso pensamento de mente muito aberta. O que importa não é tanto a quantidade de projetos de parceria ou a visibilidade europeia que têm. O que interessa à Europa é como dar estatuto europeu a cada um dos cidadãos que habitam a Europa. As pessoas não têm um entendimento europeu do seu quotidiano, não por falta de intercâmbios e de projetos, mas porque na formação de base do cidadão tem de haver essa abertura de territórios. A fronteira mental tem de ser muito mais ampla do que as fronteiras geográficas. Mas estamos em contacto quer com cidades geminadas quer com cidades que não são europeias mas onde há portugueses a trabalhar na cultura. Só da banda dos Pousos há três em Nova Iorque a tocar! Temos de ser capazes de trazer um bocadinho de Nova Iorque cá, para eu, de qualquer idade, em Leiria e ou nas Cortes, poder ouvir e experimentar um projeto que, depois, me transforma. É [preciso] ter projetos que, muito mais do que europeus, nos tornem cidadãos do mundo! É essa visão que precisamos e não a de que o meu festival é o melhor, a minha escola é a melhor, o meu projeto é o melhor. A nossa cidade é pequeníssima e este território, ainda que seja grande, é pequeníssimo. Mais importante do que ter dez encontros na Europa, é importante que os agentes de Leiria saibam o que acontece na rua ao lado. Estou chocadíssimo com o que tenho vindo a descobrir, confesso… Mas sim, Leiria já tem uma agenda de trabalho internacional, mais do que europeu.

Orçamento: um milhão de euros para quatro anos “é nada”

Há um orçamento? Quanto é que vai custar? Há bocado falou entre 40 a 200 milhões. O Estádio de Leiria já foi um grande investimento…
É muito difícil falar no orçamento da candidatura em 2027. Neste momento há um compromisso da parte da autarquia para nos dar um montante de programação anual que é muito baixo mas é alguma coisa. Como condição coloquei que, pelo menos, haveria 250 mil euros de programação por ano só para este arranque. Isto é nada. Será um milhão de euros nestes quatro anos, em que temos de fazer alguma coisa nova e, acima de tudo, estruturada com algum dinheiro. Há cidades concorrentes que têm orçamentos muito superiores a este. Mas não sou daqueles que coloca no montante o factor decisivo: não é por ter um milhão ou um tostão, é pela maneira como aplicamos o tostão! Não fico perturbado por Leiria aplicar pouco dinheiro na cultura. O problema é a má forma como aplica o pouco dinheiro! Temos de arranjar forma de investir melhor. Depois de 2021/22 terá de haver um montante superior. Esse montante depende de todos nós, que estamos aqui e agora e daqueles que nos vão ler. Porquê? O montante da candidatura vai depender da quantidade de parceiros económicos que vamos conseguir atrair. Se tivermos uma ideia mais poderosa, atraimos mais. O montante da candidatura está indexado à capacidade criativa e de distinguir a nossa oferta. Temos de ser capazes de oferecer um produto que atraia pessoas que pensem: se é para fazer isto, eu quero estar lá. E aqui importa se olhamos para todas as pessoas, mesmo correndo o risco de haver algumas populações que afastam financiadores. Se tivermos a ideia máxima de envolver todas as pessoas, este montante será maior. O montante da candidatura vai depender das nossas ideias; o montante do investimento da autarquia vai depender daquilo que todos os agentes culturais fizerem até lá. Os grupos de teatro, as escolas de música, os artistas plásticos, os atores, os poetas, os professores, os pensadores que quiserem e investirem mais agora, vão seguramente ter mais investimento da parte da autarquia.

O interesse da Câmara de Leiria, e das outras da região, neste projeto deve ser refletido nos respetivos orçamentos? Os orçamentos para a cultura devem crescer?
Não há dúvidas que a comunidade vai estar atenta aos sinais. Se o sinal das autarquias for mais hercúleo, haverá mais envolvimento. Se o sinal for mais tímido, haverá menos. No caso concreto de Leiria, no que é programação que está a decorrer, vai manter-se e vamos energizar um pouquinho os eixos culturais que são mais capacitantes para a candidatura: se houver uma instituição ou festival que queira internacionalizar-se como parceiro de uma outra, vamos apoiar isso, porque consideramos que isso é vital para a candidatura. Não escondo que gostaria que a Câmara de Leiria pusesse, daqui a um ou dois anos, pelo menos um milhão de euros por ano nesta candidatura. Seria o razoável para podermos concorrer. Há outra dimensão, que são os espaços que vamos usar. Há espaços suficientes? Vamos ter mais teatros ou vamos aproveitar outros espaços da cidade? Quais são as dimensões arquitectónicas que queremos e sonhamos para este território?

Em Guimarães e no Porto, com a CEC apareceram a Plataforma das Artes e Criatividade ou Casa da Música e houve regeneração urbana…
Não tenho dúvidas que sendo Leiria CEC com uma programação robusta vai alavancar um conjunto de intervenções mais ou menos ligadas à cultura, como o urbanismo. Essas obras são importantes, mas fascina-me mais aquilo que são transformações das comunidades, das práticas culturais. As autarquias que investirem neste projeto, depois de sentirem que a sua comunidade mudou, vão pensar: “Só estávamos a pôr 0,3%, 0,4% ou 0,5% [do orçamento na Cultura]. Percebemos que se pusermos 1%, 1,5%, 2% o resultado é este. Em 2028 ou 2029 não vou voltar a pôr 2% ou 2,5%, mas não vou voltar a 0,2% ou 0,3%; vou deixar 0,9% ou 1%”. Vão implicar-se construtores, arquitetos, paisagistas e o património imaterial, que é muito importante e não se fala muito. É tão importante deixar um prédio construído como investigação publicada. Temos de olhar para isto de uma forma mais ampla. Não me fascina tanto essa dimensão física e material que sobra Olhando as cidades [capitais europeias da cultura], as que se transformaram mais foram as que ficaram com modelos de trabalho distintos, espaços alternativos à performance. Os teatros e palcos não são mais os grandes espaços das artes performativas. Hoje precisamos de estar uns com os outros noutros contextos. Podemos apostar numa rede de construções iminentemente expositivas ou performativas, como uma estrutura de palcos e tendas móveis. Porque não uma aldeia circense que vai itinerar por aqui? Em vez de recuperarmos um grande teatro, investimos em quatro tendas profissionais, equipadas, que circulam por todo este território, com diferentes escalas, num investimento de todos. Estou mais interessado em investir noutras formas de territórios de performance e não tanto em gastar 20 ou 30 milhões numa sala. Temos um engenheiro extraordinário que faz software [de som] para Hollywood e gaming: se calhar vale a pena investir para oferecer ao Nuno [Fonseca, da Sound Particles] uma estrutura que materialize as suas ideias. Ele está a vender software que nós não experimentamos cá, ou apenas q.b. quando vamos a uma sala de cinema. Que tal desafiar o Nuno a construir para a nossa região um pavilhão onde vamos poder experimentar a teoria dele live? É uma ideia que está em cima da mesa, para trabalhar uma das nossas mais valias. Por exemplo, o Castelo de Leiria é importante, mas se calhar as pessoas não têm consciência que o José Mattoso é tão importante quanto o Castelo. A diáspora que temos de trazer não é só a diáspora territorial. Há pessoas que têm um trabalho extraordinário, que nos oferecem um património extraordinário e não temos consciência destas figuras… Para mim, a rede é o mais importante. Gostava que as pessoas de Enchecamas, em Figueiró [dos Vinhos], pudessem ter um micro-espetáculo lá, com uma estrutura que leva a arte contemporânea, permitindo provar o peixe frito da foz do Alge; levamos um chefe e um vinho de Torres Vedras e ainda fazemos uma performance, experimentando a dupla relação daquilo que é a gastronomia, a itinerância artística e, quem sabe, a espiritualidade. A arte e a cultura estão muito mais próximas da espiritualidade do que o que parece.

Em 2019 “já iremos ver algumas coisas da Rede Cultura 2027”

Projetou o nome de Leiria com iniciativas que colocaram a música no universo de bebés, de reclusos, de doentes terminais ou de pessoas com doença mental. Como conseguirá que a candidatura de Leiria surpreenda?
Neste triângulo de poder, Comissão de Projeto, Conselho Estratégico (CE) e Conselho Geral, quem define a estratégia é o CE, que também integro. Toda a cultura, incluindo a mais erudita e a menos elaborada, é acessível a todos. Na minha forma de pensar a programação, não me fascina ter grandes eventos com sumidades. Prefiro os pequeninos eventos que transformam cada um de nós. Naquilo que me disser respeito, esta candidatura nunca terá parangonas de estádio e milhares de pessoas a celebrar, com pompa e circunstância, a cultura. O que levo da minha experiência profissional é que a cultura que vale a pena trabalhar é aquela que interfere na vida diária de cada um de nós. Se tiver de optar por criadores, pensadores, curadores que têm uma perspetiva mais ampla da cultura ou por quem tenha uma mais elitista, optarei sempre pelos primeiros. Isso é facilitador? Não! Se fosse, não se faria ópera com prisioneiros. É possível levar a mais alta cultura a qualquer pessoa. Não podemos ter coisas só para quem tem determinado nível inteletual ou que foi iniciado à cultura… e depois há escalões: os que acedem ao último grito das artes plásticas contemporâneas, ao da ópera contemporânea e os mortais que ouvem Emanuel e Quim Barreiros e enchem recintos. Nada tenho contra o Quim Barreiros. Ele será invocado e poderá participar? Não vejo inconveniente algum. O que importa é que o local onde isso acontecer seja claro, porque comunicar a cultura é central. Pela forma como comunicamos um objeto cultural, estamos a dizer o que ele é para nós e estamos a selecionar o nosso público. Jamais nos poderemos deixar levar pela ideia de que uma grande Capital Europeia da Cultura tem um “passe de mágica” que vai fazer aparecer uma cidade nova. A cultura não irá transformar nada se só tivermos uma coleção de grandes eventos e fizermos descer do Castelo fogo, músicos a voar e atores a pintar os céus. Nesse cenário, não vejo como a comunidade se irá envolver e isso lhe irá interessar. Por isso, o ponto de partida é reflectir sobre a identidade cultural. Temos agendados encontros entre artistas, agentes culturais e especialistas nacionais em programação, curadoria e produção, que irão ajudar a refletir sobre estes conceitos-base. Já falei com o Gui [Garrido], d’A Porta, com o Carlos [Matos], do Entremuralhas, com a “malta” que está a trabalhar e que acontece? Cada um está a tentar “salvar” o seu evento e não temos tempo para refletir o que fazemos, porque acabamos todos a ter de gerir os projetos em cima do joelho!

Quando vão acontecer esses encontros?
No primeiro mês de 2019, iremos ter dois encontros com convidados internacionais e nacionais, para ajudar a refletir sobre o que é programar cultura numa cidade. Aí começarão as questões de fundo e ideológicas da cultura. Mas nem sequer chegámos a esse passo. Ainda estamos no básico! Temos de pensar o que é construir uma programação cultural na cidade.

Já se irá refletir na programação de 2019?
Gostava que isso pudesse acontecer. Para o ano já iremos ver algumas coisas da Rede Cultura 2027. Vamos investir em trabalhos de co-produção entre agentes culturais do território da rede. Os grupos, as galerias, as escolas e bibliotecas, estão a ser informados de que se quiserem fazer algum projeto em conjunto com outro parceiro, nós investiremos. Queremos oferecer a experiência de que, quando trabalhamos em conjunto, nas mesmas áreas e com uma cidade vizinha, também crescemos. Não há o “melhor festival” de música, de teatro ou marionetas; há um conjunto de agentes, pessoas ou instituições, que, ao juntarem-se para produzir em conjunto, serão apoiados. Vamos abrir um processo de candidaturas e reforçar os eventos que já decorrem na cidade. Por exemplo, se houver um evento ou projeto que, até aqui, não contemplava atividades com escolas, parcerias nacionais ou internacionais, temos de os estimular. Esse apoio nem sempre é dinheiro. Pode ser oferecer os canais para estabelecer parcerias. Em 2019, que ainda é um ano para refletirmos em conjunto e sem pressas, já haverá programação com base neste budget.

Castanheira de Pera-Torres Vedras, Tomar-Nazaré. “A cultura é uma coisa que une todo este território!”

Mencionou a extensão geográfica da candidatura e englobou concelhos do sul do distrito e mais a sul e do este. Mas, na semana passada, o presidente da Câmara de Alcobaça disse que não foi contactado oficialmente e a isto junta-se a candidatura anunciada pela Região Oeste. Essa candidatura caiu?
Desde os primeiros encontros do grupo de missão ficou claro que Leiria iria lançar uma candidatura com um amplo território. Chegou-se à conclusão que teria de ser, pelo menos, o território do IPL e a Associação de Municípios de Leiria e, houve conversas informais com concelhos-chave da região. Foi com alguma surpresa que soubemos da proposta de candidatura da CIM Oeste. Contudo, no dia 31 de outubro, a equipa da Rede Cultura 2027, encabeçada pelo presidente da Câmara de Leiria, Raul Castro, irá reunir-se com os municípios do Oeste, às 9h30! Vamos apresentar uma agenda conjunta de trabalho para 2019. Temos tido a maior das aberturas e interesse dos agentes culturais e municipais. Alguns municípios têm razão quando dizem não ter havido um contacto mais formal, que, infelizmente, foi sendo adiado por razões de agenda. Sempre foi claro para o nosso grupo de missão que o território envolvia os municípios do Oeste e de Leiria. Além disso, uma das primeiras cidades a manifestar interesse em estar nesta candidatura foi Tomar, que a leva além deste eixo geográfico. Faz todo o sentido: temos um arco de património da Unesco, que inicia no Convento de Cristo e vai até à Berlenga. São quatro “pilares” tremendos. Um deles é o Mosteiro da Batalha, onde estamos agora. Há mais vínculos a estruturar este território do que possa parecer. Este território é muito mais coeso do que aquilo que pensamos.

Essa reunião é um pedido de namoro ou de casamento? Fica tudo resolvido?
O encontro com a CIM Oeste é de conhecimento mútuo, tendo havido contactos, previamente, entre cidades e agentes culturais. Na verdade, este é um encontro para casamento. Há, naturalmente, dúvidas legítimas que os autarcas do Oeste querem esclarecer. Foi criado um modelo de integração destes territórios: não há um cheque em branco para os municípios que se envolverem no projeto. Cada um pode escolher envolver-se à escala do interesse da sua comunidade. O encontro poderá terminar com um casamento assumido.

Mas ainda há um “divórcio” por resolver: as coisas entre Leiria e Coimbra não têm corrido bem.
A minha opinião é que faz sentido que haja as duas candidaturas. Há, naturalmente, uma identidade muito forte de Coimbra. Há histórias e linguagens culturais muito distintas entre Leiria e Coimbra. Luís de Matos [responsável da candidatura de Coimbra] disse que, quando Coimbra for CEC, irá associar todos os municípios à sua volta e nada será como antes “até ao fim da eternidade”. São ideias diferentes em relação a Leiria: a Rede Cultura 2027 é para começar agora, a 31 de outubro, e já está a trabalhar no terreno. Não podemos pedir a políticos, a dois anos de eleições, que invistam num projeto que acontecerá em 2027. Tem de ser aqui e agora. Um bom projeto tem de envolver as pessoas já! A nossa agenda é até 2021, quando estivermos a construir a candidatura, em 2022/23 haverá tomada de decisões e visitas de especialistas nacionais e europeus. Depois, a cidade escolhida – que tenho a convicção de que será Leiria – terá, entre 2024 e 2027, um trabalho muito grande para fazer, envolvendo todo o território.

A extensão territorial pode ser um problema? Em Guimarães, o evento centrava-se no centro histórico e na cidade.
Percebo que ter um território que demora duas horas a ser coberto é uma fragilidade, mas é também um grande potencial. Só a cidade, com os esforços de muitas pessoas, não conseguiu, até agora, dar o salto para um caminho mais consentâneo sobre o que é a cultura e a vida cultural. Com a rede, temos a possibilidade de trabalhar alguns cordões umbilicais que unem as cidades. A cultura é uma coisa que une todo este território!

“Não há fórmulas mágicas debaixo da mesa”

Sobre o Conselho Estratégico há quem aponte alguma subrepresentação do Teatro e da Dança, duas áreas ativas e sensíveis na cidade…
O Jorge Silva Melo, quando foi convidado para programar em Guimarães, teve uma resposta muito interessante: achava que quem devia programar música, deviam ser bailarinos; quem devia programar teatro, deviam ser pintores… Não deveriam ser os próprios a programar a sua área, porque estamos demasiado condicionados por um olhar muito “térreo”. Os representantes do Conselho Estratégico não têm um papel de programar ou refletir sobre a especificidade de cada uma daquelas áreas. Não estou no Conselho como músico nem nenhuma daquelas pessoas está ali nas competências específicas da área em que está. Podia haver outro Conselho Estratégico? Podia. É muito mais grave não haver representatividade territorial. Está bem que o sul está representado pelo Samuel Rama, pelo João Serra. Mas sinto-me desconfortável por não termos ninguém do norte interior. Todos os representantes estão ao mais alto nível. Temos, por exemplo, o presidente do Nerlei ou o Marco Daniel, que é quem ao nível da Diocese superintende tudo. Não temos um grupo frágil, do ponto de vista das competências de reflexão e estratégia. Para reflexão programática e de terreno, haverá grupos de trabalho específicos. E nesses grupos de trabalho é muito importante deixar claro que olhar a cultura não é olhar as artes de palco e as artes performativas. A música, a dança e o teatro são muito importantes mas não são os eixos mais importantes num projeto que fala da cultura de uma cidade e de uma região! A arte tem mais fronteiras. Não vejo que seja necessário ter uma paleta com representantes de cada uma das áreas. Sobre o teatro, já falamos com a equipa toda do Nariz, com a equipa toda do Te-Ato, com a equipa toda do Leirena. Começámos pelo teatro e em todas as conversas houve inteira disponibilidade e abertura para a reflexão. Todos estão interessados e envolvidos. No fim das conversas, eles dão-se conta que não sabem o que existe e acontece ao seu lado, eles que têm 20, 30, 40, 50 anos de carreira na cidade! Quando dizemos, “vamos trabalhar em equipa e com que parceiros”, nunca pensaram no assunto! Quais os parceiros nacionais? E internacionais? [expressão de espanto] Nunca se lhes passou isto pela cabeça. A conversa tem terminado sobre o plano de apoio à cultura que queremos propor: devemos apoiar a cultura pelo número de público? Pela contemporaneidade? Pelas tecnologias? Por ter qualidade artística? Por ter qualidade de programação? Por ter profissionais de gestão? Por ter contabilidade e avaliações de impacto feito? O que consideram que deve ser tido em conta para apoiar a cultura nesta cidade? A verdade é que não há reflexão nesta área, mas há muitas críticas. Vamos publicar, para toda a comunidade, os resultados destes inquéritos, para mostrar que todos temos de participar, que todos temos ideias diferentes e distintas do que é a cultura e quais as prioridades. E qual é a prioridade central da cidade? Deve ser mais música ou mais dança? Esqueçam: não vamos conseguir fazer tudo bem, a 100%. Não podemos investir tudo em tudo. Há 16 escolas de dança, 11 bandas filarmónicas e duas escolas de música oficiais, só na cidade. Se alargarmos isto a todo o território, até Arruda dos Vinhos, tudo isto aumenta imenso. E qual é a área programática em que devemos investir? Mais em música ou mais em teatro? Mais em livros ou mais em teatro? Isto implica planear para além do ciclo eleitoral e em conformidade com o que a comunidade sente. A comunidade está ávida e desejosa de refletir sobre esta matéria mas não há certezas. Não há fórmulas mágicas debaixo da mesa. Há é o envolvimento de todas as pessoas a refletir sobre isto, com a certeza de que, no final, as prioridades não são consensuais.

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