Às vezes precisamos que nos lembrem que a vida não tem de ser complicada. A exposição de Mircea Albutiu, “Khozyain”, que o mimo – Museu da Imagem em Movimento apresenta desde o fim de abril pode ser um desses momentos.
Durante cinco anos, o fotógrafo e documentarista romeno desenvolveu um descomprometido exercício fotográfico à volta da vida de Vasile Servov.
Descendente de lipovenos, minoria russa que há três séculos fugiu para a Roménia, escapando às restrições religiosas da imperatriz Catarina II, Servov vive tranquilamente os seus 54 anos na pequena Sfistofca.
A povoação está isolada no delta do Danúbio e, ali, as celebrações litúrgicas ainda são como antigamente, em slavónico, uma língua que poucos entendem.
A desertificação social é agressiva e visível, assemelhando-se à de tantas aldeias do interior de Portugal: a escola fechou, tal como a mercearia, e muitos partiram. Ficaram os cavalos selvagens e o gado, que convivem livre e pacificamente entre habitações abandonadas e as poucas dezenas de habitantes que ali permanecem.
Entre eles, Servov desenvolveu uma forma muito própria de existir: pescador, carpinteiro, guardador de gado, faz o estritamente necessário para gozar a vida e organizar anualmente um torneio de xadrez.
Se nada for feito, é provável que Sfistofca desapareça completamente dentro de umas décadas. Mas isso pouco ou nada parece importar a Servov.
É nesse particular ecossistema que Albutiu entrou, regressando frequentemente para estar com o amigo, que o acolhe. A história do seu anfitrião – “Khozyain”, em russo – está nestas paisagens de um quotidiano simples fotografado sem truques pelo romeno. A exposição pode ser vista no mimo, em Leiria, até 14 de julho.
Manuel Leiria
Jornalista
manuel.leiria@regiaodeleiria.pt
(Artigo publicado a 2 de maio de 2019)
Vasile Servov é protagonista nas fotografias de Mircea Albutiu
