Os deputados eleitos pelo distrito de Leiria para a Assembleia Constituinte em 1975 foram recordados hoje, dia 25 de abril, na sessão evocativa dos 51 anos da Revolução do 25 de Abril do município de Leiria.
Aires Rodrigues, Pedro Lagido e Álvaro Órfão marcaram presença na cerimónia que aconteceu no Teatro Miguel Franco, cabendo a este último representar os deputados constituintes de Leiria, numa intervenção em que recordou o tempo antes da Revolução de Abril e alertou para a situação atual da democracia.
Álvaro Órfão, eleito pelo PS, lembrou o ambiente em que decorreram as últimas eleições realizadas durante a ditadura, as Legislativas de 1973:
“Em [28 de] outubro de 73, na Marinha Grande – de onde eu sou – foi um dia terrível em que os lutadores pela liberdade, que se manifestaram contra as eleições”, num contexto em que a oposição democrática desistiu de concorrer, por considerar não haver condições para realizar um escrutínio livre.
Até “um falecido votou nesse dia”, porque “o seu funeral passou na Praça Stephens e desencadeou uma risota de um vigilante que estava na varanda da Câmara: e que mandou à mesa: ‘Descarrega este [nos cadernos eleitorais] que vai ali a passar’. Foi o dr. Anaquim e esse voto está registado nos cadernos eleitorais guardados no Governo Civil”.
Nessa campanha, o antigo presidente da Câmara da Marinha Grande lembra-se de ter assistido “a um pedido de desculpas de um sargento da GNR ao dr. José Vareda: ‘Sr. Dr. faça favor, não fale desse assunto senão tenho de interromper este comício’. Noutros sítios eram mais violentos, e ameaçam de prisão se se falasse da guerra do Ultramar ou outro assunto que tivesse a ver com isso”.
Depois do 25 de Abril tudo mudou e “o contraste era evidente”, mas nem tudo foi fácil:
“Na Constituinte, durante 10 meses as vicissitudes foram bastantes: desde o cerco à Assembleia ou ao facto de, três meses depois de lá estarmos, ainda não havia salário”.
Isto porque “alguns membros do MFA [Movimento das Forças Armadas] tentavam impingir [a ideia] que os constituintes deviam estar à borla ao serviço da democracia”. A situação chegou a tal ponto que “foi encarregado pelo grupo parlamentar do PS, um agricultor do Alentejo com a 4ª classe, o deputado [Joaquim] Penderlico, de fazer o discurso do salário, porque no Grupo Parlamentar lamentou-se que não tinha dinheiro para alimentar os filhos e a mulher. Foi um discurso que ficou célebre na Assembleia”.
Passados 50 anos, hoje Álvaro Órfão olha para o resultado desse trabalho, a Constituição da República Portuguesa, e diz que a podemos encarar como “uma árvore”.
“De uma forma metafórica podemos considerar que a Constituição é uma árvore com muitas braças e na braça do artigo 17, dos Direitos e Garantias, está hoje sentado um passarão, que promete ao país – ou ameaça, melhor dizendo – ‘Queremos Portugal em ordem'”, afirmou, referendo-se, sem nomear, ao líder do Chega, André Ventura:
“Essa ordem nós conhecemos, mas ele não conheceu, ele nasceu depois do 25 de Abril. Essa ordem do tal GNR que mandava calar, conhecemos e não queremos. De uma maneira pouco inteligente, penso que [ele] está pousado na braça do artigo 17, mas está a serrar a braça. Arrisca-se a cair e a ver contrariados os seus desígnios”.
Nesta manhã em Leiria, Álvaro Órfão citou ainda uma frase que [Winston] “Churchill deixou para a história: a democracia é o pior dos regimes, à exceção de todos os outros”.
“Realmente, de vez em quando aparecem os inimigos da liberdade para usar a liberdade para a destruir” e, por isso, terminou, “devemos manter na memória viva um slogan muito utilizado depois do 25 de Abril, e que penso que poderá vir a ajudar-nos no tempos que se vão seguir: ‘Não passarão'”.
O antigo deputado lembrou ainda o nome de outros eleitos já desaparecidos, “que foram connosco o baluarte da Constituição”: “Pelo PPD: Gonçalves Sapinho, João Manuel Ferreira, José Manuel Burnay, José Ferreira Júnior e Tomás de Oliveira Dias; CDS: Francisco Oliveira Dias; e PS: Jorge Campinos, Amílcar Pinho, Vasco da Gama Fernandes e Kalidás Barreto”.
Além dos presentes hoje na cerimónia e dos citados por Álvaro Orfão, integrou também a Assembleia Constituinte Abílio Lourenço (PPD).








