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Sandra Francisco

Gestora de Redes Sociais no Politécnico de Leiria

Antologia do Improviso: Penso em Ir e Dá-me Água na Boca

Regressada do exílio na varanda, onde diariamente me tranco por fora cá dentro, pico o ponto ao som das obras que esventram a minha rua. Formalizada a saída, ainda aqui estou. Eu ou alguém parecido comigo. Limito-me a caminhar online na geografia do bom senso, sem latitude para existencialismos ou anseios de laurear, que também a mim me acodem. Imune a poesias, alterno o chip mental para o modo progenitora pifada de adoráveis criaturas sempre esganadas de fome, uma delas bebé em pleno crescimento de birras e acentuada queda para a asneira. Penso em ir e dá-me água na boca.

Às três pancadas, abandono umas coxas de frango a marinar em fogo lento. Nada comparável às provocações cozinhadas nas redes sociais. Em minha defesa, tenho a dizer que num fim de semana destes também fiz “cookies” de chocolate. Fiquei-me por aí, abdicando de decorar as circunstâncias com mais açúcar. Antes de queimar a paciência, vou a correr tomar banho, longe da vida selvagem que inunda cada aresta deste T3. Interrogo-me: «Como é que vou entregar a crónica daqui a umas horas?». Sinto-me uma verdadeira exploradora infantil, por deixar a mais velha a tomar conta da irmã (quase a tempo inteiro), e nem assim encontrar a paisagem que me falta. Não. Não me apetece escrever sobre o Covid-19 (toda a gente fala disso). É tão óbvio. É… E também demasiado importante para dar espaço a outros temas.»

Perante o perigo, o ser humano foge, luta, congela ou desvanece. Contrariamente ao habitual, estou disponível para ser obediente e reagir de acordo com qualquer um destes comportamentos. Sim. Hoje sou uma Maria vai com as outras, não é altura de individualismos. Em poupança de energia, os ouvidos bloqueiam opiniões ligeiras e irresponsáveis. Por nós e pelos outros, dar levianamente o corpo às balas é pura estupidez. Nunca soube assobiar, e não será agora que vou para o jardim chamar os pássaros.

#EuFicoemCasa. Seguro bem o copo de vinho na mão, até porque o álcool desinfeta e esgotou no mercado, e brindo aos dias de “Menina Solta”.

Ilustração de Jorge Morgado

(Artigo publicado na edição de 2 de abril de 2020 do REGIÃO DE LEIRIA)