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Sandra Francisco

Gestora de Redes Sociais no Politécnico de Leiria

Exclusivo

Antologia do Improviso: VX-93-31

O sol sabe ler as mensagens escondidas nos hieróglifos dela, e a lua ouve aquilo que ele não tem coragem de pensar. Quando usam o elevador das ausências, pressentem o perfume oposto sem sequer se cruzarem.

– O sol e a lua nunca se encontram?
— Só às escondidas, quando as nuvens se distraem e as pessoas perseguem o chão com o olhar, em vez de se elevarem para o céu (mania de gente tonta). Ao entardecer, a lua dá um beijo de boa-noite ao sol, puxa o folho de cetim e aconchega-o entre sonhos. Ao amanhecer, ele dá-lhe um abraço apertadinho e traz-lhe um sumo de utopia com panquecas.
— E no resto do tempo, o que é que eles fazem?
— Bem, ela escreve e ele assobia. O sol sabe ler as mensagens escondidas nos hieróglifos dela, e a lua ouve aquilo que ele não tem coragem de pensar. Quando usam o elevador das ausências, pressentem o perfume oposto sem sequer se cruzarem.
— Como é que se conheceram?
— Ui, isso é uma lenda muito antiga. Fartas de bonecas, a lua e a chuva resolveram ir ao baile de finalistas dos mais velhos. Como a lua tinha o bolso vazio, a mãe fez-lhe um vestido preto com debrum dourado. O mais lindo de sempre.
— E foram de trotinete ou bicicleta?
— Nada disso. A chuva era amiga de um miúdo porreiro, que até andava na universidade, e o melhor de tudo é que ele estava por ali no fim de semana e tinha carro. O Sol roubou a gravata ao pai e lá foi, sem imaginar o que o esperava…
— E foi o quê?
— Já com a chuva sentada no lugar da frente, o sol abriu a porta traseira e aconteceu-lhe dar boleia à lua naquele Renault Clio, vermelho. Houve uma inesperada combinação de eletricidades opostas e, desde aí, existem eclipses.
— E eles dançaram?
— Sim, mais ou menos. No meio do asfalto, pisaram os pés um do outro enquanto se estreavam na valsa Lara, entrelaçaram os dedos e desapareceram entre o arco-íris. São agora o dia e a noite um do outro (Shakespeare inspirou-se neles e inventou Romeu e a Julieta, mas como aquilo era tudo tão insuperável, para se diferenciar, o autor terminou as páginas em tragédia).
— A lua está sempre nua, nem brincos nem nada! Gostava tanto de ver uma fotografia da roupa dela…
— Abre a porta do roupeiro e tira o cabide de porcelana, esse é o vestido da história de embalar que acabei de te contar.