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Sandra Francisco

Gestora de Redes Sociais no Politécnico de Leiria

Antologia do Improviso: Um Consome e o Outro Consome-se

Fora as aves raras que agitam o ecossistema conjugal, perante a palavra compras, a maioria das mulheres treme e imagina sapatos, malas, trapos, viagens e perfumes. Os homens, esses, lembram-se logo de comida, “gadgets”, eletrodomésticos, carros, seca e despesas (segundo o cromo cá de casa, alguns atormentados chegam mesmo a pensar em Sandra). Quando não é um tédio desgraçado para uma das partes, ou para ambas, o que une o casal na hora de comprar é simples: um consome e o outro consome-se.

Nós, as “babes”, visionárias incompreendidas, vamos procurar uns calções leopardo e acabamos por investir num vestido “blue classic”, afinal a Pantone declarou que esta é a cor tendência 2020. Dispostas a poupar uns tostões, embeiçamos com umas camisolinhas de saldo, oportunidade imperdível, e um cinto que nos faz mesmo falta para fazer “pendant” com os lenços guardados, ainda, com etiqueta.

Embora cada vez mais vaidosos, e acho muito bem, os “bosses” vestem-se essencialmente porque tem de ser. Conseguem verdadeiros milagres com meia dúzia de camisas e dois pares de calças lavadas amiúde. Preferencialmente, encomendam o modelo de sempre online, e se for da mesma cor não faz mal, eles, os gajos, não têm aquelas cenas de deixa-me lá ver se isto cai bem no corpo_no máximo, enfiam as mão nos bolsos para confirmarem se cabe lá tudo.

Ao som estridente da música das lojas, lá vem a saga habitual “O que é que achas? Fica bem ou preferes a saia?”. «Sei lá, fica tudo igual». E, pumbas! Já não há volta a dar. Comem qualquer coisa no shopping, ela fica-se pela sopa porque já gastou demais, e vão de trombas para o cinema ver um filme de guerra escolhido por ele. Se tiverem filhos pequenos, a coisa tem tudo para piorar: “O que é o jantar?”. “Sopa ou restos. Despacha-te para lhe darmos banho, com líquido dos piolhos”. Enquanto arrepela os cabelos todos da criança, suspira para dentro… “Nem olhas para mim, tanto faz que eu ande de lingerie ou enfiada num saco de batatas”.

“Amor, vamos para a cama?”. “Não, vai tu”.

Ilustração: Jorge Morgado

(Artigo publicado na edição de 5 de março de 2020 do REGIÃO DE LEIRIA)