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Cidade imaginária: A cidade e as serras

Ele caminhava com dificuldade, mas sem queixumes. Obrigado disse ele, por esta espécie de regresso às origens.

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João B. Serra, docente da ESAD.CR do Instituto Politécnico de Leiria serra.jb@gmail.com

Conheceram-se numa pequena cidade do Sul. A noite estava quente, jantavam numa esplanada aberta sobre o lago com reflexos prateados e a descoberta da singularidade dos nomes próprios atraiu-os: Maria Eduarda, Jacinto. Mais tarde, ela concordou em antecipar a partida, viajando com ele ainda nessa noite para Lisboa. À chegada, convidou-o a entrar. Estava em mudanças, avisou, naquela semana, a casa transformada num armazém de malas e caixotes.

De Viseu, para onde saiu naquela madrugada de Setembro, ele ligou-lhe à hora de almoço. Estou a ver – ela adivinhou-lhe na voz a perplexidade – uma torre de Nova Iorque atingida por um avião. Não, não é ficção!

Encontraram-se em Aveiro, no fim de semana seguinte. Ele esperava-a na estação e conduziu-a até à Barra. Na pequena praça dominada pelo imponente e belíssimo farol, deram-se as mãos.

Antes de regressarem, marcaram nas agendas: Porto. Depois, o pacto entre eles foi-se definindo. Encon­trar-se-iam, sempre que lhes fosse possível, em cidades. Enviavam mensagens a indicar horários, gares e aeroportos, onde também trocavam o beijo da chegada e o longo abraço da despedida. Não colocaram nunca a hipótese de partilharem o quotidiano, que aliás tacitamente ocultavam um ao outro. Colecionavam avidamente as fotografias que faziam, surpreendendo os pormenores da vida urbana, alguns enquadramentos de edifícios e espaços públicos, seguindo os passos dos residentes.

Durante mais de uma década percorreram boa parte de Portugal e algumas cidades do resto da Europa (Espanha, Itália, França), e foram até Maputo, Toronto, Sidney e Xangai. Foi aqui, quando passeavam numa noite gélida, no cais do Bund, ao longo do rio Huangpu, que ele confessou que não teria tempo de vida senão para mais uma visita. Queres escolher? – perguntou ele. Nova Iorque, onde afinal nunca formos? Se sou eu a escolher, diz-me a data e eu indicarei o local.

Foi a Tormes que ela o conduziu. Durante dois dias passearam pelas veredas da serra, desde a pequena estação na margem do rio até à “rude” e “silvestre” casa que Eça descreveu, soltando as palavras dos heróis do romance: “Que beleza!”. Ele caminhava com dificuldade, mas sem queixumes. Obrigado disse ele, por esta espécie de regresso às origens. Aqui, do campo, sente-se melhor a magnificência da cidade, essa “criação augusta” de que falava o meu homónimo. Mas só há esplendor da cidade, enquanto garantirmos o esplendor do campo.

(texto publicado na edição de 6 de março de 2014)