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Cidade imaginária: O centro

Adorava ver os centros históricos das cidades como palco por momentos exclusivo de gente que andava a pé.

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João B. Serra, docente da ESAD.CR do Instituto Politécnico de Leiria serra.jb@gmail.com

Entrou no café, quase deserto àquela hora, em busca do esquivo Franz Kafka, mas foi o som de um telemóvel que lhe prendeu a atenção. – Sim, estou bem. Já fiz o reconhecimento do trajeto. Era inevitável seguir a conversa em português. – António – apresen­tou-se ele. Desculpe, não pude deixar de ouvir. Ela sorriu: – Oh, fui apanhada! Fez bem em apresentar-se. Amália. Quer sentar-se à minha mesa?

Sem reservas, ela con­tou-lhe o motivo da vinda a Praga. Participava em corridas de meia maratona em cidades europeias. Lisboa, Paris, Barcelona, Dublin, Pisa, Berlim… Todos os anos, escolhia uma e marcava as férias de acordo com a data das provas. Fazia uma preparação cuidada de modo a não ter problemas em concluir o percurso. Gostava da sensação de correr entre gente de tantas paragens, idades e condições sociais. Adorava ver os centros históricos das cidades como palco por momentos exclusivo de gente que andava a pé, as ruas cortadas ao trânsito, as praças com gente a ver e a incitar, ou, simplesmente a sorrir. Estavam a 7 Maio, a corrida teria lugar dois dias depois, Dia da Europa? – Tenho de confessar que é uma forma original de colecionar cidades – disse ele, surpreendido.

Combinaram novo encontro nesse dia, ao fim da tarde na Praça da Cidade. Sentaram-se numa esplanada, de frente para a torre do relógio medieval. Pediram cerveja, uma salada de tomate com mozzarella e pesto.

Agora era ela quem inquiria o motivo o trouxera à cidade. – Queria experimentar a sensação de estar no centro – respondeu ele. Crescera numa pequena cidade, sonhando com Lisboa, o centro de Portugal. Frequentara a Universidade, no tempo da guerra colonial, sonhando com Paris, o centro da liberdade. Tornara-se professor, sonhando com Florença, o centro da civilização. Deambulara pelo mundo sonhando com Praga, o centro da Europa.

– Vais assistir à corrida amanhã? – perguntou ela. – Sim, mas vais ter de me descobrir. – Fá-lo-ei – respondeu ela.

Encetara o último terço da corrida, pela rua Resslova, na margem do Vitava, quando o avistou. Empunhava um cartaz, mas não conseguiu perceber o que dizia. Reconheceu o prédio da esquina, a “Casa Dançante”. Sabia que tinha sido construído sob o patrocínio de Vacklav Havel. “Fred e Ginger”, fora assim denominado. Oh, pensou, ele encontrou o seu “centro”, a utopia que substituiu o quarteirão bombardeado em 1945. Um símbolo de fragilidade e emoção.

(texto publicado na edição de 3 de abril de 2014)