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Corta-relvas: A educação das podas radicais

Um político a educar árvores é todo um programa de “espaços verdes”; que essa educação seja à força da serra eléctrica, só pode respeitar um conceito muito original de “sensibilização ambiental”.

João Pombeiro, Jornalista e editor-executivo da revista LER pombeiro@gmail.com

Mesmo que o leitor não queira saber, eu digo: há páginas que me agarram pelos colarinhos. No topo dessa bibliografia obrigatória estão os almanaques, onde fico a saber, quase de cor e salteado, todos os dias mundiais. Dia 21 de Março, por exemplo, é Dia Mundial da Árvore. Esta era fácil.

Fácil ou não, qualquer cidade que se preze celebra este dia com “acções simbólicas” e de “sensibilização ambiental”, o mesmo é dizer plantação de árvores com presença de autarcas, “outras personalidades”, dezenas de crianças e retrato a condizer. Leiria não é – não foi – excepção. Na manhã de quinta-feira, 21 de Março, segundo o que li depois, nada falhou no guião: “plantação simbólica” de quatro choupos negros e três aveleiras (neste caso no Jardim de Santo Agostinho), presença de autarcas, “outras personalidades”, dezenas de crianças e retrato a condizer.

Se é para falar de árvores, não fiquemos pela rama. Três ou quatro dias antes, a autarquia leiriense executava a fase II da sua política de “podas radicais”. A manchete do REGIÃO DE LEIRIA, acompanhada de fotografia esclarecedora, denunciava a “razia”, o “abate de dezenas de árvores” nas ruas Dr. João Soares e Machado Santos e nas avenidas D. José Alves Correia da Silva. Indignação nas redes sociais, surpresa entre os transeuntes desprevenidos, comunicado da Oikos (“atentados ambientais graves contra o património arbóreo”, “formas de tratamento (…) que representam décadas de regressão”) e defesa de Lino Pereira, vereador dos “espaços verdes”, segundo o qual a culpa seria da “situação de grande susceptibilidade das árvores”, com risco inerente para “pessoas e bens”.

Há um ano, Mário Oliveira, membro da Oikos, alertava para a “destruição completa das árvores”, consequência da forma de corte e desbaste escolhidos pela autarquia. “O que vai acontecer, dentro de um a três anos, é que estas situações vão degenerar no apodrecimento”. A realidade, até hoje, não desmentiu Mário Oliveira, nem, sejamos justos, Lino Pereira, vereador que em Março de 2012 defendia as “podas radicais” por “uma questão de educação da árvore”. Um político a educar árvores é todo um programa de “espaços verdes”; que essa educação seja à força da serra eléctrica, só pode respeitar um conceito muito original de “sensibilização ambiental”. E já agora, se é para educar e sensibilizar, porque é que não convidam também as criancinhas a entrar no espectáculo?

Escrito de acordo com a antiga ortografia

(texto publicado a 28 de março de 2013)