No início da semana, uma mulher com a sua companheira e uma criança de tenra idade ao seu lado, falava assim para a televisão: “somos ambas professoras, o Estado (e as famílias) confia-nos a educação dos jovens deste país, mas não confia em nós, nem nos deixa ter direitos na educação desta criança”. Foi assim de forma tão simples e escorreita que uma mulher falou da Lei da coadoção que tinha sido aprovada na Assembleia da República e que, através de uma manobra vergonhosa, o PSD e o primeiro-ministro Passos Coelho urdiram um referendo.
Foi um dos momentos mais negros do parlamento, uma lei aprovada e um partido político e um primeiro-ministro que não concordando com ela se apressou a desrespeitá-la inventando um referendo. Pois bem, o que é que eu e todos os cidadãos deste país vamos ser chamados a decidir? Se uma criança adotada por um homem ou por uma mulher que viva, que esteja casada, com outro ou outra pode, ou não, ter direito de parentalidade sobre a criança com quem vive. Isto é, sou eu agora, mais os outros oito milhões de concidadãos que vamos ter o direito e a faculdade de decidir se os laços afetivos e o projeto de vida de uma criança adotada no seio da sua família são para manter, no caso em que um deles morra, ou são para fazer outra coisa qualquer que nos dê na cabeça. Karl Popper afirmava que nós só podemos ser intolerantes com a intolerância. Que desumanidade…
//= generate_google_analytics_campaign_link("leitores_frequentes_24m") ?>(texto publicado na edição de 23 de janeiro de 2014)
Miguel Viva disse:
Li o seu artigo. Em Portugal, apesar de vivermos em democracia, é difícil ainda conviver com ideias diferentes das nossas. Infelizmente a discussão sobre a co-adopção está armadilhada por preconceitos ideológicos, demagógicos e políticos. Do exemplo que deu, parece-me, há uma lacuna de fundo: confunde-se educação com instrução. Infelizmente muitos pais demitiram-se de educar e deixam à escola, aos professores essa tarefa. Nenhum professor foi contratado para ser mãe ou pai na escola, mas para ensinar o que academicamente aprenderam. Podem ser óptimos professores e péssimos pais. O debate devia-se centrar nisto: o direito da criança ter uma família, a ter um pai e uma mãe, que a ajude a crescer equilibradamente nas suas várias dimensões. A natureza não andou enganada desde os primórdios. Tudo o que sai daqui deve ser tratado como excepção e não como equivalente. Concordo consigo no que toca á triste figura da aprovação de um referendo. Matérias de consciência não se referendam , até porque não é uma maioria que me impõe o que eu devo fazer, desde que respeite a liberdade individual do outro. Isto não quer dizer que concorde com a co-adopção por casais homossexuais porque entendo que não está salvaguardado o interesse superior da criança e não se pode usar como argumento comparar o menos mau com o péssimo. Há famílias que não funcionam. É verdade. Mas a co-adopção não é a melhor solução. E a intenção do legislador ao fazer uma lei é defender um valor, é apontar um ideal, e não contentar-se com uma solução que sendo melhor que a situação a que tenta dar resposta, não é de todo a melhor. E a pergunta que subjaz é esta: porquê ir por este caminho?