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Elogio da cidade: A cidade difusa

Então o que é hoje o urbano? Um sistema de relações, um intrincado complexo de unidades mais ou menos autónomas, que apesar de constituírem redes, não é possível ler como identidade.

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João B. Serra, professor do Instituto Politécnico de Leiria serra.jb@gmail.com

Numa das crónicas anteriores recordei o conjunto de critérios que Orlando Ribeiro apresentou em 1969 para definir o urbano em Portugal, na altura caracterizado por uma forte presença de pequenas vilas disseminadas por todo o território nacional. De então para cá, profundas transformações da estrutura e distribuição da população afetaram o conceito de urbano.

As mudanças ocorreram tanto do lado da cidade como do campo. O mundo rural desapareceu, enquanto mundo centrado na atividade agrícola, quer em termos de rendimento quer de emprego. Num certo sentido, o urbano invadiu todo o espaço de representação e construção social, e a cidade extensa substitui a cidade compacta herdada da história.

Diversos fatores determinaram esta metamorfose do espaço e da sociedade. Desde as exigências de mobilidade, com o predomínio do transporte automóvel, até a substituição do papel da entidade administradora publica pela lógica do loteamento desencadeada por promotores privados. As exigências do mercado e a submissão do urbanismo às redes infra-estruturais e à oferta de terrenos edificáveis foram outros tantos fatores que empurraram o urbano para a fragmentação e a dispersão.

A continuidade, critério outrora dominante, desapareceu, e, com ela, a forma canónica de organizar e refletir sobre o espaço urbano. O suburbano tornou-se dominante e remeteu a cidade histórica para a condição de exceção.

Então o que é hoje o urbano? Um sistema de relações, um intrincado complexo de unidades mais ou menos autónomas, que apesar de constituírem redes, não é possível ler como identidade. Os reservatórios de identidade, indispensáveis para combater a tendência para a disseminação e réplica de não-lugares (de que fala M. Augé) atiramo-los para os centros históricos e os museus, onde todavia (já) não se vive.

A democracia tem lidado mal com esta metamorfose do urbano, apesar do esforço realizado em domínios como o da habitação, dos serviços públicos e da infraestruturação do território. Refiro-me à definição de uma política urbana que eleja as prioridades, indique as orientações, e provoque as dinâmicas da urbanização.

Num momento em que os cidadãos são chamados a votar para o poder local, dir-se-ia ser essa uma ocasião particularmente favorável à avaliação de percursos e debate de novos caminhos. Parte significativa dos instrumentos de regulação urbana estão no âmbito municipal. Esta seria uma boa oportunidade para discutir a gestão da esfera publica urbana, partilhada entre poder local e administração central.

(texto publicado na edição de 19 de setembro de 2013)