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Elogio da cidade: As cidades de Nuno Portas

O urbanismo é, para Nuno Portas, a cidade que lida com a incerteza e a pluralidade dos atores.

João B. Serra, professor do Instituto Politécnico de Leiria serra.jb@gmail.com

Arquiteto de formação, intelectual cosmopolita por vocação, Nuno Portas foi, na sua geração, dos primeiros a integrar o entendimento de que a cidade é um fenómeno global e de que ao arquiteto se exige uma visão do território e uma perceção dos seus componentes e distintos ritmos. Num dos seus primeiros estudos, “A Cidade como Arquitectura”, de 1969, Nuno Portas punha em causa o conceito de arquitetura como elemento fundador da cidade, para preferir o de intervenção arquitetónica, num território urbano caracterizado pela complexidade, pela fragmentação e pela incerteza.

Professor de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura do Porto desde 1983, a rota de Nuno Portas trou­xe-o a partir de então até ao Vale do Ave. A observação do sistema de ocupação urbana deste território propi­ciou-lhe a especificação de aspetos nucleares não só do seu modo de entender a natureza, alcance e limites do planeamento, como da teorização da evolução da cidade contemporânea, onde coexistem cidade histórica e compacta, cidade “com modelo”, e cidade difusa e periferia, cidade “sem modelo”.

O território do Vale do Ave era identificado por Nuno Portas em 1986 (revista Sociedade e Território nº 5,) como um contínuo urbanizado de mais de 250 freguesias e 6 concelhos, incluindo centros urbanos de pequena e média dimensão, no qual a dispersão da urbanização andava a par de uma mistura de atividades ao nível mais capilar. Em vez de uma racionalização operada em nome da “cidade com modelo”, defendia que “os esforços fossem dirigidos noutro sentido: no sentido do reforço do modelo instalado e da correção persistente e participada dos seus desvios e perversões”. Para ele, a racionalidade só faria sentido se o território não dispusesse já de uma estrutura física, económica e social instalada. O capital fixo não se desloca por força de uma decisão política ou de um plano, não só porque o período é caracterizado por uma crescente concorrência internacional, mas também porque a crise do Estado Providência veio para ficar, advertia.

O urbanismo é, para Nuno Portas, a cidade que lida com a incerteza e a pluralidade dos atores. Que respeita o fator tempo e os seus diversos ritmos e os procura integrar sem eliminar nenhum. Que perscruta as geografias e equaciona as suas variáveis com dimensão sociológica e antropológica, económica e política.

Fazer cidade é convocar saberes e levar a regeneração e a revitalização a todo o território do urbano. É aprofundar o conhecimento sobre a cidade emergente e não a discriminar na afetação dos recursos. Fazer cidade é conferir ao espaço público uma função central na política urbana. É nele que reside a garantia da evolução da cidade.

(texto publicado a 30 de maio de 2013)