O ponto de partida destas crónicas mensais foi a recente edição do Diário de Bordo de Fernando Távora, um relato de uma longa viagem pelas Américas, pelos Orientes efetuada pelo arquiteto em 1960. O Diário é pontuado por confrontos com a perceção urbanística da cidade europeia e com a invocação da especificidade portuguesa.
Num texto de 1969, Orlando Ribeiro debruçava-se sobre a forma das cidades (“uma cidade é uma forma”), cuja estrutura resulta das vicissitudes da evolução histórica e das funções que a modelaram. O urbano não podia ser definido por um princípio quantitativo, nomeadamente o do limiar de concentração demográfica.
O autor aludia à ocorrência, tanto em Espanha como em Portugal, de aglomerações rurais, por vezes de certa extensão. Quais os critérios para detetar a natureza urbana – distinta da mera concentração de casario em torno de uma igreja mais ou menos imponente, submetida a uma única atividade e sem irradiação regional?
O autor enumera os seguintes para as denominadas vilas urbanas: predominância da função comercial e industrial variada sobre a rural; existência de feira ou mercado de produtos diversos e de uma “praça” para o abastecimento quotidiano; existência de lojas de comércio especializado ou de artigos de qualidade ou de uso menos corrente; capacidade de atração e de irradiação, materializada na convergência de linhas e trânsito e no número e frequência de serviços de transportes em comum aí centralizados; número de pessoas que todos os dias vêm à povoação e outras formas menos aparentes de “centralidade”; prevalência do sector terciário na população ativa; aparência e individualidade das construções, que se diferenciam segundo áreas e funções; marcas do passado, não apenas nas construções monumentais, mas nas ruas e nas casas, onde se leem as fases ou surtos de desenvolvimento da povoação; existência e dimensão de locais de reunião e de diversão e de locais dedicados a certo sector da população ou da sociedade; importância de estabelecimentos de ensino secundário.
//= generate_google_analytics_campaign_link("leitores_frequentes_24m") ?>Cada cidade é porém uma realidade concreta. Tem a sua biografia própria e exibe uma personalidade inconfundível. A verificação dos critérios apontados pelo geógrafo não poderia, por isso, prescindir da observação direta, por onde devia, aliás, principiar. “O deambular atento é a melhor forma de captar a fisionomia e, através dela, as funções de uma cidade e o arranjo do espaço urbano”, adverte Orlando Ribeiro.
Pouco mais de quatro décadas volvidas, como se alterou a noção de urbano e de urbanidade! Como nos parecem irrelevantes os critérios propostos em 1969 para averiguar a feição urbana de uma concentração populacional! Onde estão hoje as pequenas cidades portuguesas? Que fizemos do seu carácter de entidade única?
(texto publicado a 2 de maio de 2013)