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Opinião: 30 anos a trabalhar para o boneco

Parece que foi ontem, quando passei para o ciclo preparatório, que uma professora – Lúcia Serralheiro – me convidou para fazer parte de um grupo de teatro de “fantoches”, os Pequenos Comediantes de Trapos e Farrapos, em Alcobaça.

Português/alcobacense/marionetista/ construtor de marionetas/ encenador/director artístico

Parece que foi ontem, quando passei para o ciclo preparatório, que uma professora – Lúcia Serralheiro – me convidou para fazer parte de um grupo de teatro de “fantoches”, os Pequenos Comediantes de Trapos e Farrapos, em Alcobaça.

Passados quase 30 anos, às vezes parece-me que andei todo este tempo a trabalhar para o boneco no mau sentido. Mas não, não foi o caso, durante estes anos o teatro de marionetas foi evoluindo e crescendo no mundo e em Portugal.

Das escassas cinco ou seis companhias profissionais nos anos 80, passamos para mais de três dezenas de estruturas e projectos profissionais de norte a sul do país, com várias centenas de pessoas a trabalhar exclusivamente em marionetas.

Parece inacreditável mas veja-se o exemplo do teatro tradicional de marionetas, os famosos “Robertos”. Há 10 anos atrás somente quatro bonecreiros, todos profissionais, executavam esta forma de teatro, sendo agora nove de norte a sul do país.

Nesta nova vaga de estruturas profissionais dos anos 90 aparece a companhia S.A.Marionetas – Teatro & Bonecos na cidade de Alcobaça, a primeira estrutura profissional da cidade desde sempre. Só passados alguns anos autarquia e população se aperceberam da sua importância, o trabalho constante, a criação de espectáculos, as formações, a itinerância, contribuíram para tal.

Era uma situação que, no entanto, já esperava. Mas não desisti. Aliás, trabalhei cada vez mais, ao ponto de convidar várias pessoas e estruturas para criarem produções em conjunto, aumentando o número de apresentações por ano, que por vezes chega a mais de duzentas, tanto no país como no estrangeiro.

Estou a escrever estes factos e por certo alguns dos leitores estão a pensar como é possível num centro urbano tão pequeno, como Alcobaça, existir uma estrutura profissional, e ainda por cima de marionetas. Como já vários autores disseram, “com trabalho tudo se consegue, basta acreditar”.

Claro que estou a pintar a realidade muito cor-de-rosa, as dificuldades existem e são muitas. Para se perceber, basta dizer que a maior parte destes profissionais trabalha a recibos verdes, sem contratos de trabalho, salvo raras excepções.

Mas o que mais dificulta esta actividade artística é a falta de visão por parte dos políticos que esbanjam dinheiro na criação de programações e eventos sem sentido, onde não existe uma preocupação de criação e fixação de públicos e de continuidade.

De uma vez por todas: as autarquias não são produtoras de eventos. São estruturas para gerir e apoiar as populações, onde vivem seres pensantes que têm ideias e que precisam de ser apoiadas. Quando não existem pessoas com essas capacidades nos locais, convidem pessoas de fora para o fazerem, mas primeiro devem de ser os tais seres “pensantes locais” a ser consultados e apoiados.

Felizmente que ao longo dos anos consegui criar uma relação estável e de parceria com a autarquia que acolhe a S.A.Marionetas, não foi fácil desbravar terreno mas consegui e vou continuar a trabalhar em conjunto.

Vivemos numa das zonas do país com mais dinheiro mas também a que menos apoia a cultura. Praticamente não existem estruturas profissionais de teatro, então de marionetas mesmo, só há uma.

Existe público, existem espaços para se trabalhar em teatro que estão equipados tecnicamente. Então o que está a “não” acontecer? Porque é que a maior parte dos profissionais de teatro da nossa zona não está a utilizar os espaços, já pensaram nisso?