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Partilhando: Memórias à flor da pele

Do Porto a Vila do Conde, à mítica sala de chá da Póvoa do Varzim, lá íamos com a avó no seu Renault 5.

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Cristina Barros, professora do IPLeiria e presidente da Incubadora D. Dinis cristinabarros.rl@gmail.com

No Dia Internacional da Mulher estive com um grupo de amigos no TEDxOporto, que teve por lema “À Flor da Pele”, e que se realizou no Cinema Batalha, no coração da cidade do Porto. Tivemos a oportunidade de percorrer as principais artérias da Baixa e apesar de ter sido um dia fantástico fui assolada por alguma nostalgia e muita saudade.

Até aos meus 15 anos, altura do falecimento da minha avó, eu e as minhas irmãs passávamos o mês de julho no Porto com os nossos avós paternos e éramos frequentadores assíduos da Baixa, onde a nossa família tinha uma enorme retrosaria.

Recordo como se fosse hoje ir de autocarro até ao Cinema Batalha, assistir às matinés, da avó dizer “O vosso pai foi aqui batizado na igreja de Santo Ildefonso”, dos lanches no Magestic, de ir com o avô à mercearia “Cristina” comprar o seu lote de café em grão, de forrar botões com tecido na loja, que tinha mais de cinco metros de pé alto de armários e vitrinas com rendas, bordados, linhas e afins. Era um mundo de cor, formas e texturas.

Assim que a loja fechava, era habitual irmos ao salão de chá do Ateneu Comercial do Porto. Eu tinha um fascínio pelo salão de festas, onde passámos muitos Carnavais, e pela imponente biblioteca que parecia tirada de um livro do Eça de Queirós.

Sempre que o tempo o permitia e apesar da avó dizer ”Aqui no Norte é nevoeiro ou vento, ou vento ou nevoeiro!”, íamos para uma praia perto de Francelos onde estava instalada a nossa barraca cor de laranja, de quatro metros quadrados, sempre cheia de amigos e família, onde almoçávamos e dormíamos a sesta, geralmente embrulhados em mantas pois à tarde havia nortada. Apesar da água gelada, dávamos sempre um mergulho com o avô.

Do Porto a Vila do Conde, à mítica sala de chá da Póvoa do Varzim, lá íamos com a avó no seu Renault 5. Era uma senhora lindíssima, de olhos azuis acinzentados, muito elegante, professora primária que adorava viajar e tinha uma cultura geral imensa. Da Argentina, Brasil, Rússia, Áustria, e muitos outros lugares, recebemos bonecas tradicionais. Inesquecível é também o seu perfume, o Chanel Nº 5. Quando o sentimos, eu e as minhas irmãs dizemos sempre ”O cheiro da avó!”.

A nossa avó partiu cedo demais, aos 68 anos, e deixou muitas saudades e memórias inesquecíveis. Memórias que fazem parte da minha história e de quem sou, e que foram vividas num magnífico dia de primavera, à flor da pele.

(texto publicado na edição de 20 de março de 2014)