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Partilhando: Os dez pés…

E depressa se passa da bonança para a tempestade e para o stress matinal de preparar três crianças e dois adultos que, às vezes, são piores que as crianças, para estar tudo na escola e no trabalho a horas.

Cristina-barros
Cristina Barros, professora do IPLeiria e presidente da Incubadora D. Dinis cristinabarros.rl@gmail.com

Ainda é de madrugada e os dois pezinhos mais pequenos da casa funcionam como despertador. Um autêntico relógio biológico que acorda sempre com fome, um sorriso delicioso e uma prenda. Estes são os primeiros pés a junta­rem-se ao papá e à mamã. Enquanto o leitinho não chega, não há quem o cale. A não ser a irmã mais nova que entretanto entrou de rompante a uma velocidade vertiginosa e alguém avisa “Cuidado com o mano!”. Os dois últimos pés aparecem de forma calma e serena, com uma voz muito suave e lá se tentam encaixar no meio do resto. Cócegas, beijos e abraços energéticos fazem soltar gargalhadas contagiantes que àquela hora nos parecem estranhas mas nos dão forças para o que vem a seguir.

Ficam então os pés encaixados num puzzle dinâmico que toma diferentes formas a todo o momento. Partilham-se os sonhos, alguns pesadelos que metem sempre bichos pouco simpáticos e histórias do dia anterior. Isto enquanto o piolho mais novo, que já acabou o seu pequeno-almoço, começa a escalar os oito pés e a explorar os cantos vazios que ainda persistem deste puzzle.

Estaria ali horas, não fosse alguém dizer: “Vou ver bonecos” ou “Temos de descer que estamos atrasados para a escola”. E depressa se passa da bonança para a tempestade e para o stress matinal de preparar três crianças e dois adultos que, às vezes, são piores que as crianças, para estar tudo na escola e no trabalho a horas.

As diversas operações são feitas de forma automática, ritmada e quase que sincronizadas ao segundo, pois um minuto é uma infinidade de tempo àquela hora. Mas o processo está sempre fora de controlo. Há sempre uma fonte de variação e alguém que se lembra de algo em falta.

“Está na hora”, “Trazer Mochilas”, “Tudo para o carro” e “Toca a andar que se faz tarde”, deve ser o pão nosso de cada dia em todas as casas. Aqui não é exceção. Músicas da Carochinha no CD e iniciamos a partida com o carro cheio de vida e gargalhadas. E lá vamos a cantarolar.

Admito que depois de entregar a “última encomenda”, sento-me no carro, fechos os olhos, respiro fundo, estou ali uns minutos e depois arranco.

Apesar do frenesim diário e da loucura que se instala, aqueles dez pés tudo justificam. Para nós a paixão pela vida só faz sentido com aquele mundo, com aqueles dez pés tão simples e tão perfeitos que se encontram todos os dias.

Um Santo e Feliz Natal e um Ano de 2014 repleto de saúde e sorrisos.

(texto publicado na edição de 19 de dezembro de 2013)