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Ser leiriense

MARIA FRANCISCA GAMA
Ser leiriense nem sempre foi algo que gritei a sete ventos: a flor da idade e a aspiração de conhecer algo maior, onde pudesse, imaginava eu, seguir todos os meus sonhos, de forma ilimitada, levaram-me a, durante alguns anos da minha adolescência, ter querido vir estudar para Lisboa. E vim.

mariafranciscagama@hotmail.com

Ser leiriense nem sempre foi algo que gritei a sete ventos: a flor da idade e a aspiração de conhecer algo maior, onde pudesse, imaginava eu, seguir todos os meus sonhos, de forma ilimitada, levaram-me a, durante alguns anos da minha adolescência, ter querido vir estudar para Lisboa. E vim. Como a maioria, provavelmente, dos leirienses, na procura do curso que ambicionam, abandonei, de malas e bagagens, a casa dos meus pais, a vista sobre o Castelo, a calma que se instala em nós a um domingo de manhã na Praça Rodrigues Lobo, o sonho de que o estádio podia ser muito mais do que é e o caminho pedonal junto ao Rio, com a promessa de que voltaria aos fins de semana.

Já na capital, poucas foram as vezes em que faltei à dita: ir para Leiria à sexta-feira era sinal de que seria acarinhada e confortada, como se a paz estivesse lá, e o poisar do primeiro pé nas terras em que, outrora, D. Dinis mandou plantar o Pinhal, fosse sinónimo de voltar a ter poucas responsabilidades, de poder abandonar os livros, por pouco tempo que fosse, de não ter de cozinhar ou passar a ferro. No início, admito, deslocar-me a Leiria era bom porque, para mim, era o tempo e o lugar de visitar a minha família e os meus amigos. A cidade era só a cidade, e mesmo que Lisboa não correspondesse às minhas expetativas (afinal aqui também nem tudo é fácil e concretizável!), a verdade é que não sentia aquilo que hoje sinto em relação a Leiria.

A cidade evoluiu, porque quis evoluir. Percebemos, finalmente, que temos tudo para ser um local de chegada, e não tanto só de passagem. Que temos potencialidade para sermos falados a nível nacional e, com toda a certeza, internacional, e que aquilo que, durante anos, pareceram ser obstáculos inultrapassáveis, são, hoje, lutas que alguns encabeçam, em prol de todos, de forma admirável.

O Mercado Sant’Ana voltou a ter vida, e o Castelo deixou de ser apenas dos tempos dos reis. Abraçaram-se projetos, museus, causas, festivais, autores e a arte nas ruas. O Terreiro já não é só um espaço noturno onde, durante a nossa adolescência, e durante a adolescência dos nossos pais, se contaram histórias e se beberam cervejas: há comércio a reavivar a memória dos mais esquecidos, que, talvez, nem sempre se lembrem de que já existia Leiria antes de nascer o centro comercial.

E eu, em Lisboa, fui vendo isto. E depois já não ia só para amar a minha família, e adorar os meus amigos, ia para admirar a cidade. Aprendi a dar valor àquilo que sempre tive, e, em conversa com os meus colegas de Faculdade, fui contando, cada vez mais alto, aquilo que se ia passando na nossa cidade. Admirados, alguns deles nunca tendo visitado Leiria, têm mostrado uma vontade incessante, que, decerto, terei de saciar, de explorarem, com esta guia rendida, tudo aquilo de que lhes falo.

E ligo a televisão. Leio o jornal. Faço uma vistoria rápida ao meu Facebook. Leiria está inundada de talento, de pessoas que ambicionam mais, que trabalham mais, que têm mais arte a correr-lhes pelas veias. Porque, provavelmente, também os seus pais os levavam à Hora do Conto, na Biblioteca Afonso Lopes Vieira, e porque provavelmente, também, como eu, assistiram a teatros no José Lúcio da Silva ou no Miguel Franco. A cultura é uma constante numa cidade como a nossa, basta querermos. E expandir o nome que nos abriga, é expandir as pessoas que nos apoiam, e que fazem com que, para mim, Leiria seja a cidade para onde quero voltar.

Mesmo que exista muito mais para além do recato que é a Praia de São Pedro de Moel durante o inverno, e que não tenhamos, ainda, concretizado, alguns dos projetos que há anos preenchem a mesa, mostrámos, nestes últimos três, quatro anos, a meu ver, que nada nos é impossível. E que Leiria é uma cidade para amar, e, acima de tudo, para viver.