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Cultura

É sexta-feira foge comigo: “O académico”

“O académico” é um texto de Pedro Miguel para o projecto “É sexta-feira foge comigo”, publicado no REGIÃO DE LEIRIA. O realizador Carlos Barros apresenta-o aqui em vídeo.

Os seus pais consideravam-no um imbecil, porque aparentemente lia muito, mas depois nas aulas não tinha grande aproveitamento. Quando andava no liceu, constava que era bastante feio e não tinha grande sorte com o sexo oposto.

A única altura em que tinha ficado muito tempo ao lado de uma rapariga, fora nas aulas porque ele chamava-se Ramiro e a mais bonita da turma era por unanimidade, a Rita. Dada essa casualidade de terem os nomes começados pela mesma letra, fazia com que tivessem números seguidos, e por imposição dos professores, colegas de carteira.

Não tinha tido um único professor que o tivesse marcado, pelo menos pela positiva, embora se lembrasse de uma madame com um apelido qualquer sonante que fazia questão em lhe atirar à cara que o primo dele, também aluno da senhora, tirava melhores notas. Ele não percebia como é que isso podia ser motivo de reprimenda ou provocação, pois tratando-se de um dos seus melhores amigos da altura, ficava feliz por ele, o que pelos vistos irritava solenemente a professora que não se cansava de repetir com um ar snob:

– Eu não preciso disto! Eu não preciso disto!

Embora fosse novo, Ramiro ainda era do tempo em que se um professor errasse por qualquer motivo e o aluno reclamasse, isso era considerada uma falta de respeito para com o professor, logo perdia a razão, logo o assunto morria ali, logo acontecesse o que acontecesse, o aluno estava sempre lixado.

Como se isso não bastasse, também lhe devem ter retirado um futuro literário por alturas em que numa composição de tema livre na disciplina de Inglês, tentou usar uma metáfora do género “America was walking on my face”.

Radiante com o seu feito, esperou impacientemente que a professora corrigisse o texto, mas qual não foi o seu espanto quando viu a sua obra de arte com um risco vermelho por cima. Indignado perguntou à professora o porquê:

– Ó menino, isso não faz sentido!

– Mas é um metáfora!

– Tá calado e vai-te sentar! – grunhiu.

texto: Pedro Miguel
realização: Carlos M. Barros


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