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Sociedade

Descobrimentos são trunfo para Pinhal de Leiria ser Património da Humanidade

A ideia do historiador Saul António Gomes parece ter força para ganhar forma: a história do Pinhal de Leiria merece que o mundo o olhe com outros olhos.

O Pinhal de Leiria “alimentou” a construção naval no tempo das descobertas portuguesas. E pode agora navegar rumo ao reconhecimento mundial. Esforço épico? Talvez, mas o historiador leiriense Saul António Gomes acredita que vale a pena. Como? O Pinhal de Leiria deveria ser candidato a Património Mundial da Humanidade. É único e merece reconhecimento.

Primeiro argumento, de peso: aquelas madeiras “eram a principal fonte de recursos dos estaleiros navais portugueses dos séculos das Descobertas”, explica o docente da Universidade de Coimbra, que lembra que, “em meados do séc. XVI, cerca de 35% da madeira usada na construção naval portuguesa provinha do Pinhal de Leiria”. O contributo desta mancha verde para os Descobrimentos portugueses, “não é um mito, mas um dado histórico autêntico e bastante documentado”.

Embora exista na região antes do aparecimento do Homem, o pinhal sofreu um incremento sobretudo a partir do reinado de D. Dinis, no séc. XIII: o facto de ter sido “uma das primeiras, se não a primeira, grande floresta europeia a ser alvo de políticas de proteção dos poderes públicos” é apenas outro elemento distintivo.

O caráter inovador da indústria vidreira que ali surgiu e as vilas e cidades “com culturas de trabalho pioneiras na história dos movimentos operários no ocidente”, somam-se à lista de razões que dariam músculo a uma candidatura.

Também no Pinhal de Leiria tiveram lugar “experiências de tecnologia industrial pioneiras na Europa no domínio do aproveitamento das energias hidráulica e eólica para movimentarem engenhos de serração”. A paisagem, “fonte de inspiração de escritores, de artistas e de tradições populares”, é outro fator a levar em conta.

A candidatura do Pinhal de Leiria à obtenção de reconhecimento mundial seria uma boa oportunidade para dar nova vida ao pinhal, entende Mário Oliveira, presidente da associação Oikos. A título pessoal, vê com bons olhos uma candidatura, caso constituísse “um processo coerente e consistente de recuperação, valorização e promoção daquele património”.

Na pior das hipóteses, “obrigaria a uma intervenção de fundo no pinhal” e a uma “reflexão integrada”. Até porque a observação da realidade atual evidencia que o Pinhal de Leiria “está num processo de degradação a olhos vistos”. A “proliferação de acácia e eucalipto” permite perceber “o risco que este património ambiental corre a curto prazo”.

“Faça-se uma ronda pelo que foram espaços nobres do pinhal, com as ‘Árvores Notáveis’ e veja-se o seu estado de conservação/degradação”, aponta. As imagens, frisa, “valem mais que mil palavras”.

Sem carinho

Marinhense apaixonado e estudioso do pinhal, Gabriel Roldão subscreve a avaliação de Mário Oliveira. “O pinhal de Leiria está em agonia. Não se semeia, não se faz regeneração, não se trata, não se consertam as estradas, não se vigia… Parece ao abandono”, lamenta.

Ele, que vive em S. Pedro de Moel, diz saber o estado das coisas. “Não se vê um trabalhador na floresta. E chegou a ter 1.200! Só a natureza protege o pinhal. O homem não o utiliza com o mesmo carinho que utilizava no passado: abate-se e não se faz o plantio, há motas e jipes por todo o lado, destruindo-o”.

Gabriel Roldão está “absolutamente de acordo” com a ideia de elevar o pinhal a Património Mundial. Mas o processo adivinha-se “muito complicado e extraordinariamente caro”. Há que dar passos antes. Como o movimento de reflexão que está a criar. “O pinhal está moribundo e não podemos mudar muita coisa: é o poder central que decide. Mas pelo menos podemos mudar as opiniões”. E porque o Museu da Floresta é uma miragem, fala-se também na criação de um centro de interpretação

Saul António Gomes reconhece que “há um grande trabalho a desenvolver”, nomeadamente na organização do processo de candidatura. Para já, “há que dar início, apenas, a toda uma dinâmica de audições, de estudos, de partilha de informação que, com persistência, conduziriam seguramente esta ideia a bom porto”, defende. O desafio está lançado.

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(fotografia: Joaquim Dâmaso)

 

Pinhal com 18 quilómetros

O Pinhal de Leiria ou Mata Nacional de Leiria, localiza-se no litoral da Marinha Grande. É limitado a norte pelo rio Lis (junto à praia da Vieira) e a sul pelo Vale de Água de Madeiros. A nascente, tem como vizinhas as freguesias de Carvide, Monte Real, Amor e Pataias. Pertence ao domínio privado do Estado e  tem uma largura e comprimento máximos de 8.394 e 18.549 metros, respetivamente.  A norte do  Pinhal de Leiria, a floresta continua na Mata Nacional do Pedrógão e a sul na extensa mata dos concelhos de Alcobaça e Nazaré.

Fauna e flora diversificadas

Uma dúzia de espécie de árvores, com natural predomínio do pinheiro, e mais de três dezenas de espécies de arbustos, são as mais representativas da flora da Mata Nacional de Leiria, aponta o Plano de Gestão Florestal daquela área. O documento alerta para a propagação da acácia austrália, da acácia mimosa e da robínia que colocam em risco espécies autóctones. No que se refere à fauna, são várias dezenas de espécies apontadas, num leque que inclui a águia de asa redonda, a víbora, o esquilo, o javali e a raposa, por exemplo.

 

Números do Pinhal de Leiria

60%
Há um concelho engolido em quase dois terços pelo Pinhal de Leiria. Cerca de 60% do concelho da Marinha Grande
é pinhal

11.080 hectares
É a área total que ocupa o Pinhal de Leiria (Mata Nacional de Leiria). Está dividido em 342 talhões, com cerca de 35 hectares cada. Situa-se  nas freguesias da Marinha Grande e Vieira de Leiria

1,6 milhões
O material lenhoso do Pinhal de Leiria, em 2010, rendeu 1,6 milhões de euros. A este valor somaram-se 23.500 euros em resina. Os dados constam do Plano de Gestão Florestal da Mata Nacional de Leiria

 

Requisitos para ser Património Mundial

Quem classifica o Património Mundial? A classificação de Património Mundial é efetuada pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Cultura, Ciência e Educação. Há uma dezena de critérios genéricos e qualquer candidatura, para ter sucesso, deve conseguir “encaixar” em pelo menos um deles.

Que critérios são esses? Entre outros, inclui critérios que passam por representar uma obra-prima do génio criativo humano, mostrar um intercâmbio importante de valores humanos; um testemunho único, ou excecional, de uma tradição cultural ou de uma civilização ou ser um exemplo de um tipo de edifício ou conjunto arquitetónico, tecnológico ou de paisagem, que ilustre significativos estágios da história humana. Ser um exemplo excecional representativo de diferentes estágios da história da Terra é igualmente uma das possibilidades.

Quanto tempo demora a apreciação de uma candidatura? “Preparar uma candidatura geralmente leva pelo menos dois anos de trabalho – às vezes muitos anos”, explica a própria Unesco no manual de apoio a candidaturas.

 

CSA e ML

(Notícia publicada na edição de 6 de novembro de 2014)

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