Assinar
Leiria

Na Quinta é tão normal dizer Manuel e Maria como Otmane ou Amal

Achraf Haidar
9 anos
Espanhol, com ascendência
marroquina

Sofia Rodrigues
9 anos
Portuguesa, com ascendência
brasileira

João Carlos
10 anos
Português, com ascendência
brasileira

Gabriela Rodrigues
10 anos
Portuguesa, com ascendência
brasileira

André Pires
10 anos
Português, com ascendência
angolana

Eduarda Mendes
10 anos
Portuguesa, com ascendência
são tomense

“Cheguei”. André entra no espaço Redes na Quinta, pouco depois das 15h30. Acabaram as aulas, é sexta-feira e “não há trabalhos de casa”, apressa-se a dizer. Apesar do sotaque brasileiro usado na entrada, André é português e filho de pai angolano. É um dos 56 meninos, entre o 1º ciclo e o secundário, que, com regularidade, passa no projeto da associação InPulsar, sedeada na Quinta do Alçada, em Marrazes, Leiria.

Atrás dele, o barulho tende a aumentar. Segue-se mais meia dúzia de alunos portugueses, espanhóis, marroquinos e brasileiros. No total, o Redes na Quinta trabalha com 19 nacionalidades distintas. “Tentamos chamar a atenção para a riqueza da diferença, a diversidade e a importância de respeitar o outro. Para eles, [esta diversidade cultural] é natural. O mundo é assim, não é uma massa homogénea”, explica Carolina Cravo, coordenadora do projeto.

Mochilas e casacos arrumados, os estudantes ficam a conhecer as tarefas do dia. Vão fotografar emoções e ao final da tarde há aula de zumba.

O trabalho na Quinta do Alçada começou em abril de 2016 e pretende promover a inclusão social de crianças e jovens, provenientes dos contextos socioeconómicos desfavorecidos, através de uma abordagem positiva, integrada e de capacitação comunitária. A equipa, composta por técnicos especializados e voluntários, procura promover o sucesso escolar e uma maior corresponsabilização dos encarregados de educação no processo educativo através de atividades de apoio escolar e de educação não formal; e o treino de competências pessoais, profissionais, sociais e parentais.

“Ao intervir com crianças e jovens é também necessário intervir com as famílias. Sendo um projeto de intervenção de proximidade, não podemos ficar só pelos trabalhos de casa e pelas competências digitais, artísticas e desportivas. Temos que trabalhar com a família e para a família”, refere.

Um dos caminhos para atingir este objetivo é através da realização de cursos de língua portuguesa.

Com uma grande comunidade marroquina a viver no bairro – só no Agrupamento de Escolas de Marrazes existem 35 crianças de nacionalidade marroquina -, o Redes na Quinta encontrou muitas mulheres que não sabiam falar português, apesar de viverem cá há vários anos. “Tinham dificuldade em comunicar para coisas tão simples como ir às compras ou estabelecer a comunicação escola-casa. Promovemos pequenos cursos, com o projeto Speak, já fizemos cinco cursos, para mães e também para pais, onde também estão outras nacionalidades e acabamos por ter uma diversidade à escala global”, esclarece.

A riqueza e diversidade cultural deste pequeno território às portas da cidade de Leiria é tal, com sucesso na integração, que Carolina Cravo brinca e diz que está em Nova Iorque. “É um melting pot. Aqui encontramos pessoas de muitas nacionalidades, de todo o mundo, num convívio que, nos mais velhos pode não ser fácil, mas é harmonioso entre os mais jovens”, afirma.

A existirem desafios, a língua também pode representar a maior barreira na integração dos mais novos. Boa parte dos jovens não fala português em casa, explica a responsável, embora consiga ter uma aprendizagem quase perfeita na escola e através do convívio com os amigos, sem sotaque.

“Nestas tenras idades as barreiras não se notam tanto, são conceitos e conceções da cabeça dos adultos. Os meninos percebem que há meninos com culturas muito diferentes, com nacionalidades diferentes, domínios de língua diferentes, e que têm em comum o português, mas tudo isso ainda é muito superficial na vida deles. Por exemplo, há nomes muito complicados de pronunciar e temos os meninos portugueses a corrigirem-nos. Para eles é tão normal dizer Manuel e Maria como Otmane, Amal ou Achraf. Essa complexificação da realidade é mais nossa, para eles o mundo é global”, afirma.

(Artigo publicado na edição de 25 de janeiro de 2018)

“É um melting pot. Aqui encontramos pessoas de muitas nacionalidades, de todo o mundo, num convívio que é harmonioso entre os mais jovens”

Marina Guerra
Jornalista
marina.guerra@regiaodeleiria.pt

Joaquim Dâmaso
Jornalista
joaquim.damaso@regiaodeleiria.pt

Deixar um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Artigos relacionados

Subscreva!

Newsletters RL

Saber mais

Ao subscrever está a indicar que leu e compreendeu a nossa Política de Privacidade e Termos de uso.

Artigos de opinião relacionados