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Cisternas do Castelo de Leiria revelam intervenções fotográficas pela água e pelo futuro

Comida com lixo, animais extintos e nós próprios não nos sentimos muito bem. “E no princípio era a água” é uma exposição (e um livro) que quer fazer pensar sobre o caminho da humanidade.

Até 27 de novembro, as três salas das Cisternas do Castelo de Leiria recebem os projetos “Virar a página”, de Nuno André Ferreira (ao centro, na imagem), “Terra morta”, de Adriano Miranda, e “Dialética ambiental”, de Igor Ferreira. Sábado, na inauguração, as Cisternas encheram-se de gente que quis conhecer o projeto “E no princípio era a água” Gil Álvaro de Lemos/CML

Lembramo-nos bem da fotografia de um recém-nascido dentro de um carro, tirada durante os incêndios de 2020 em Oliveira de Frades – valeu um prémio World Press Photo a Nuno André Ferreira. O repórter fotográfico de Leiria, colaborador da agência Lusa e de publicações do grupo Cofina, é também autor da imagem em que Marcelo Rebelo de Sousa, dentro de um veículo, abraça uma das vítimas dos fogos de 2017, reconhecida com o Prémio Rei de Espanha de Jornalismo.

Também inesquecível é o retrato de Francisco, de cajado, boina e olhar desoladoramente conformado, sob o céu cinzento-alaranjado dos incêndios de Pedrógão Grande – é de Adriano Miranda, que trabalha para o jornal “Público”. Pois bem, ambos juntaram-se a outro valor nacional da fotografia, Igor Ferreira, e lançaram-se em defesa da água, da preservação do ambiente – e do nosso próprio futuro. O resultado é “E no princípio era a água”, livro e exposição que atualmente patente em Leiria.

Nas antigas Cisternas do Castelo revelam-se perspetivas diferentes de cada um deles: o registo documental e escapista de Nuno André Ferreira; o conjunto de dípticos onde Adriano Miranda conjuga problemas ambientais com formas de vida já extintas; e há também a coleção de receitas para a catástrofe, “cozinhadas” por Igor Ferreira.

Sábado, na apresentação do livro e inauguração da exposição, assumiram que não foi a beber água que surgiu a ideia. “Basicamente, foi a bebermos cervejas”, confessou Nuno André Ferreira. À mesa de café, “decidimos fazer um livro diferente, que pudesse alertar e sensibilizar para a preservação da água e fazer pensar”. Num ano de seca extrema, a água surgiu como tema incontornável, e cada um partiu para o terreno.

“Estou na fotografia para fazer fotografias horríveis, feias, que nos façam cócegas, comichão, que nos façam doer. Que façam com que à noite não consigamos dormir”, disse Adriano Miranda, que aplica à fotografia “ensinamentos sociais, económicos e políticos”.

“A minha fotografia é um manifesto”, aqui para recentrar o debate sobre o ambiente: “As alterações climáticas, de um momento para o outro, ficaram na gaveta devido à guerra na Ucrânia”. Por isso fotografou animais que já morreram. Hoje são memória, empalhados em museus e faculdades.

“Não vai ser o javali, nem o macaco nem a zebra que nos vão destruir. Vamos ser nós que nos vamos destruir. Nós também os estamos a destruir a eles. O meu trabalho é um alerta para isso. O planeta não aguenta”.

O mesmo aviso é lançado por Igor Ferreira em produções aparatosas e irónicas, que servem comida e lixo apanhado em rios. “A alimentação é uma maneira mais fácil de as pessoas sentirem aquele soco no estômago”, por ter “um caráter sagrado”, salientou. O resultado é poderoso: “O Igor deu 10-0 ao Adriano e ao Nuno”, sentenciou Adriano Miranda, porque as “receitas” fotografadas “são bonitas demais, são para restaurantes com dez estrelas Michellin”.

“A água faz parte da nossa vida. Sem ela não fazemos nada”, vincou Nuno André Ferreira. Com o livro e a exposição que está nas Cisternas, os três esperam ajudar a evitar que se cumpra a “profecia” do último plano acidamente sugerido por Adriano Miranda. Um futuro em que também nós, humanos, acabamos empalhados num qualquer museu.

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