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Sociedade

Leiria, 1975: do 25 de Abril ao 25 de Novembro

Num conto onde a ficção se cruza com a história real, o investigador Acácio Sousa revela aos jovens o que foi o 25 de Novembro de 1975, quando se assinalam 50 anos sobre a data

25 de Abril, 25 de Novembro e os jovens, hoje

(um conto real)

Juca e Anita tinham um trabalho para a escola:

– Eh pá! Tu percebes esta coisa do 25 de Abril e do 25 de Novembro? – perguntou o Juca.

– Parece uma confusão. Em abril diziam-nos que era a Festa da Liberdade, agora dizem-nos que estava tudo para entrar em guerra civil. Não percebo isto.

– E se fôssemos falar com um “cota” desse tempo? – voltou o Juca.

– Ok, bora lá. mas, às vezes dão cada seca!!…que antigamente é que era bom, que lutaram muito, que não damos valor…até cansa, mas vamos. Com quem podemos falar? – disse a Anita.

– Vamos ali ao sr Lopes, sabe “bué”.

E lá foram ao café onde o sr Lopes costumava parar a ler o jornal.

– Olá sr Lopes, podemos interromper? Gostávamos de saber uma coisa.

– Claro, o que querem?

– No seu tempo de rapaz, Portugal esteve para entrar em guerra civil? – perguntou o Juca. – Em Leiria também houve desses problemas?

– O que foi o 25 de novembro? E que teve que ver com o 25 de abril? – juntou logo a Anita.

– Bom! Vamos lá a ver, é uma história que nem sempre é fácil de contar, mas vou tentar. – respondeu o sr Lopes sorrindo de forma acolhedora mas, com alguma apreensão.

E continuou:

– Todas as revoluções acontecem quando um Povo chega a um estado limite e alguém lidera a queda do regime vigente. Foi o que se passou em Abril de 1974 e por isso foi a Festa da Liberdade. Foi instaurada a Democracia. Caiu a ditadura.  Depois, quando os regimes são derrubados, a alegria torna-se num entusiasmo de euforia para uns e não tanto para outros, surgem novas lideranças e com muita agitação mudam as estruturas que existiam. É a isto que se chama um período revolucionário.

Contudo, não é possível manter um país sempre neste entusiasmo, sem novas regras de governação e com alguma confusão. É assim, que as revoluções “engolem” muitos dos seus heróis e acontece sempre um momento para normalizar a situação e se imporem essas novas regras. Foi o que se passou em 1975.

Em setembro de 1974 e em março de 1975, o general Spínola, com militares que lhe eram fiéis, tinham tentado travar as mudanças revolucionárias. Perdeu e fugiu do país.

Ficaram outros grupos militares que estavam próximos dos partidos revolucionários, e outros ainda que se mantinham próximos das forças políticas que defendiam uma democracia ao estilo ocidental, como a social-democracia ou o socialismo moderado. Nas ruas, em todo o país, confrontos violentos, além da violência das palavras, não faltavam.

A 25 de abril de 1975 realizaram-se as primeiras eleições livres para a nova Assembleia Constituinte e ganhou o PS, com o PPD/PSD em segundo lugar. As forças da esquerda mais radical não tiveram os resultados que esperavam. A partir daí, tudo se tornou ainda mais confuso. Os partidos revolucionários, que também não se entendiam entre si, alegavam a legitimidade revolucionária e de forma nem sempre bem ponderada, continuavam os saneamentos políticos, nacionalizações de bancos e empresas, e a reforma agrária com ocupação de propriedades. O PS, o PPD e outros opunham-se a várias coisas e alegavam a legitimidade eleitoral, enquanto a extrema direita com o apoio de Spínola, que estava no estrangeiro, estavam contra tudo e tinham grupos armados e bombistas que faziam atentados. Os militares estavam divididos, mas os moderados já procuravam ganhar o controlo da situação.

Em Leiria, havia pessoas respeitadas, tanto do lado da esquerda como do lado demoliberal, como lhes chamavam, mas o ambiente geral era tenso. A 24 de agosto desse ano, uma manifestação católica acabou em tiros junto ao rio, entre anticomunistas e comunistas. Todos se acusavam de terem começado com as provocações. Isto durou 2 dias, morreu uma pessoa e foram assaltadas sedes de partidos de esquerda e escritórios de advogados que tinham lutado, antes, contra a ditadura.

Depois, tudo pareceu acalmar. No entanto, no país, nada acalmou. Mudou o 1º ministro, mas os confrontos e atentados continuavam e a ameaça de uma guerra civil pairava. Tudo se precipitou com a mudança de chefias militares e o afastamento de Otelo, comandante de esquerda radical e herói de Abril. Os quartéis prepararam-se para o pior. Os paraquedistas, estacionados em Tancos, tomaram o partido dos que foram afastados e no dia 25 de novembro saíram para ocuparem Bases Aéreas, como foi o caso de Monte Real, enquanto no país, os quarteis tomavam cada qual a sua posição e as esquerdas de “ação direta” se movimentavam.

No entanto, do lado civil, sobretudo Mário Soares e Salgado Zenha com o apoio de retaguarda de Sá Carneiro, e do lado militar, Melo Antunes e Ramalho Eanes, entre outros, conseguiram o controlo político e militar e face ao desenrolar dos acontecimentos, o PCP resguardou-se e saiu de cena nesse dia 25.

Por cá, com a Base de Monte Real ocupada pelos paraquedistas, soube-se também que sindicatos da Marinha Grande tinham mobilizado gente para lhes darem apoio. Os líderes locais do PS e do PPD reuniram na sede do PS e decidiram mobilizar populares para uma contramanifestação junto à Base. As pessoas do PPD tinham boas relações com a Igreja e na cidade e em várias freguesias a notícia correu pelos párocos e os sinos tocaram a rebate. Camiões passaram por várias freguesias onde o recado já havia chegado e milhares rumaram a Monte Real. Também aqui as coisas estiveram por um triz, mas tendo falhado em Lisboa, os revoltosos submeteram-se.

Em Leiria, no dia seguinte, ainda houve tiros numa fábrica de vidros alemã, nos Pousos, e mais um jovem morreu. Foi trágico, antes de tudo sossegar.

– Então, a Democracia foi implantada a 25 de novembro? – perguntaram os jovens.

– Não! A democracia foi conseguida com o 25 de Abril! Com o 25 de novembro, voltou-se à “pureza de Abril”, como disse Sophia de Mello Breyner e Mário Soares. Corrigiram-se tentativas de desvios e confirmou-se a Democracia Constitucional que temos hoje, que nasceu na ideia de Abril.

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fotografia de rosto a preto e branco de acácio de sousa

Fiz chegar o texto ao diretor do REGIÃO DE LEIRIA, Francisco Santos, não para o publicar, mas para o utilizar como entendesse. Acabou por me propôr escrever um artigo para o jornal, com o desafio de ser um texto virado para os jovens.

Acácio Sousa, estudioso de História Política Contemporânea

Publiquei na revista “Anais Leirienses”, da Editora Hora de Ler, este mês, um artigo intitulado “Leiria, 1975: do “verão quente” ao 25 de novembro”.

A investigadora Irene Flunser Pimentel caracteriza a abordagem a este tempo como um “efeito Rashomon”, devido à intensa contradição entre testemunhos que quem viveu os acontecimentos, resultado da emotividade ainda viva ou da carga ideológica deste ou daquele lado, o que condiciona uma interpretação isenta. Em Leiria, acresce, igualmente, a surpreendente escassez de documentação oficial em arquivo, daquilo que se passou.

Face a isto, procurei enquadrar Leiria no contexto nacional e fazer uma leitura fria da imprensa local, recolher testemunhos de pessoas que estiveram no centro das coisas, além de eu próprio ter testemunhado algumas.

Fiz chegar o texto ao diretor do REGIÃO DE LEIRIA, Francisco Santos, não para o publicar, mas para o utilizar como entendesse. Acabou por me propôr escrever um artigo para o jornal, com o desafio de ser um texto virado para os jovens.

Estimulante desafio, pois naturalmente, estes terão dificuldade em entender o que se passou há 50 anos, com tanta coisa contada de forma tão diferente. Nem sempre os mais velhos entendem que os jovens de hoje nasceram e cresceram em Liberdade sem ter que lutar por ela. Esta normalidade, a meu ver, é a grande vitória da luta pela Democracia, onde muitos se empenharam, e eu também de alguma forma, me envolvi.

Fica um respigo desse meu texto, em conversa solta, como se fosse um conto, salvaguardada que está a seriedade.

(Artigo será publicado também na edição em papel de 27 de novembro)

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