Assinar

Ansiolítico urbano: O buraco do donut

O fenómeno não é de agora e arrasta-se há várias décadas. As “cidades-donut” são o resultado mais evidente do processo de esvaziamento dos centros urbanos em prol da ocupação das (ainda apelativas) periferias que oferecem a vida ideal num T4 com churrasco, jardim e garagem para dois automóveis.

Ana Bonifácio, arquitecta urbanista ab@anabonifacio.com

O fenómeno não é de agora e arrasta-se há várias décadas. As “cidades-donut” são o resultado mais evidente do processo de esvaziamento dos centros urbanos em prol da ocupação das (ainda apelativas) periferias que oferecem a vida ideal num T4 com churrasco, jardim e garagem para dois automóveis.

Sair do centro significa preterir a proximidade da rede de serviços e do comércio tradicional, sem drama, porque, afinal, algures nesse novo mundo da periferia (mesmo que não seja perto) há um centro comercial com tudo e um par de botas até tarde, onde é fácil chegar sem a neura de encontrar lugar para o carro, e para onde, por isto e por não chover, ainda apetece ir ao fim de semana.

Entretanto, no centro da cidade, onde ainda estão os que vão estando, os que não conseguiram sair e uma (boa) camada de teimosos que lhe encontram encanto ou oportunidade de negócio (aos olhos dos outros, além de teimosos, meio bizarros), vão-se atirando, dispersas, iniciativas arriscadas para tentar reanimar o buraco de um “donut urbano” que ainda não está morto nem ausente.

Falta o essencial: pessoas que lá queiram morar e condições para que o queiram fazer. Antes que lhes chegue essa vontade, é preciso ter coragem de agir – entenda-se, mexer no buraco – e não esperar pela formulação do desejo, porque a periferia (não obstante outras moléstias) vai continuar a chamar por eles.

(texto publicado na edição em papel de 27 de janeiro de 2012)