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Caminhando: or piango or canto… – Glória… a estátua e / ou o esquecimento

O homem, acima de tudo precisa, para viver, dar-se a ilusão da fecundidade.

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Cristina Nobre, professora no Instituto Politécnico de Leiria cristina.a.nobre@gmail.com

Heinz-Joseph Ullrich é um amigo com quem tenho a sorte de poder contar para me fazer descortinar o óbvio através da lente da sua máquina fotográfica, velha companheira constante de há muitos anos, agora assessorada pelo competente e sempre retocável digital.

Há uns bons anos (2007), enquanto se organizava a excelente edição da Fotobiografia de Afonso Lopes Vieira, Joseph veio oferecer-me o préstimo das suas fotografias, tiradas em 2005, aquando da inauguração da Casa-Museu. Só o gesto em si era o de um verdadeiro gentleman (e nem todos os alemães são semelhantes à Chanceler de conhecido nome…), como suplantava o da própria instituição camarária. Fazemos jus à velha e palerma tradição de não honrarmos com o respeito devido (e merecido e necessário…) o que é nosso, nos foi oferecido e, por atávicas razões (como as qualificar?!), nunca valorizamos na qualidade de excelência que deviam ter para nós. Não fomos educados para ver com olhos de admiração o que nos foi dado e brilha muito acima do humano – como a natureza que nos cerca e a envolvente atmosférica que respiramos e nunca analisámos e se distingue de tantos maravilhosos lugares do universo.

Passados mais uns anos, Joseph veio um dia dar-me, em troca de uma flor do jardim, uma belíssima fotografia do busto do Poeta presente no Parque das Caldas da Rainha. Acompanhava-o uma placa com o nome da figura, e tratou-se de uma homenagem por tudo o que o Poeta, e amigo, o Visconde de Sacavém, fizeram ligado à cultura, enriquecendo a saison termal e apresentando o Orfeão de Condeixa em atuações públicas de elevado nível e com uma projeção notável à época. A semana passada ofereceu-me duas novas fotografias do mesmo busto (mais ensolaradas e diurnas): desta vez também o bronze do busto foi mandado limpar e perdeu a placa identificativa…

Por isso sinto que devo voltar a transcrever a frase inédita dos seus apontamentos:

O homem, acima de tudo precisa, para viver, dar-se a ilusão da fecundidade.

Assim Joseph, fotografando aquilo em que ninguém parece reparar; e eu, falando sobre pormenores dos quais ninguém parece precisar de saber para aprender a admirar ou amar a terra portuguesa, registando com rigor o valor patrimonial que recebe e trata como rochas ou decorações de jardim. Uma coisa é certa: nem eu nem Joseph teremos nunca uma estátua num jardim: ele, alemão, aprecia o jardim português e gostava de o ver valorizado com o rigor merecido; eu, portuguesa, recebo as ofertas que me faz e acaricio-o com o meu sorriso e a simpatia de uma flor por minhas mãos regada. A glória do esquecimento…

(texto publicado na edição de 3 de julho de 2014)