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Crónicas do quinto império: 4 histórias sobre impostos

Esse extraordinário sentido de consciência colectiva que é o facto de o Holandês poupar prioritariamente para pagar impostos.

Joaquim Ruivo, presidente do CEPAE jruivo2@sapo.pt

William Temple, embaixador inglês nas Províncias Unidas, dizia em 1693, a propósito dos Holandeses, que a sua riqueza residia em cada um gastar menos dinheiro do que aquilo que tinha, por pouco que fosse. Isto permitia aos Holandeses, ainda segundo Temple, que cada um suportasse o peso dos impostos com mais facilidade do que noutros locais, o que contribuía para a beleza, utilidade e por vezes magnificência das obras públicas, “que todos pagam de boa vontade e das quais tiram tanto prazer e orgulho como o que nos outros países (…) se põe nos bens e fortunas pessoais”.

Delicia-me este texto porque vejo as diferenças. Não no que diz respeito à poupança, porque desgraçadamente essa tem sido, desde sempre, a condição natural de muitos portugueses, mas nesse extraordinário sentido da consciência colectiva que é o facto de o Holandês poupar prioritariamente para pagar impostos e orgulhar-se das obras por via deles erguidas a bem da comunidade.

Este documento traz-me à lembrança três outras situações. A primeira, passada com um familiar, já lá vão 10 anos. Iniciava ele em Berkeley um projecto de investigação pago pela universidade local, quando já minimamente familiarizado com alguns dos seus colegas investigadores, perguntou lampeiro antes do 1º recebimento: “E como é que se pode fugir aos impostos?”. O silêncio gélido que se seguiu foi esclarecedor. Olhado de alto a baixo e depois de soslaio, disseram-lhe que tal possibilidade não se punha. Que os impostos eram para pagar e pronto!

Lembro-me ainda de uma notícia publicada no Correio da Manhã antes da crise de 2008: “Banca poupa 30 milhões de euros”. “Excelente” – pensei eu. Li o corpo da notícia: afinal os bancos tinha poupado 30 milhões de euros em impostos porque tinham colocado parte dos lucros em “off-shores”.

E não me esqueço, finalmente, de um desabafo de um meu amigo, empresário, ainda em plena época de folgança económica: “Se eu não conseguir vender pelo menos 30 % “por fora”, tenho que fechar a fábrica”.

É claro que eu não acredito que os Holandeses de hoje sejam os mesmos de 1693, nem que os portugueses de ontem façam o mesmo hoje. Pouca coisa se poderá comparar.

Aliás tenho a certeza que os portugueses ganharam seguramente essa consciência cívica que os faz pagar responsavelmente os impostos, ao mesmo tempo que a Banca portuguesa, com o maior sentido patriótico, deixou de colocar lucros em paraísos fiscais.

(texto publicado na edição em papel de 16 de Dezembro de 2011)