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Crónicas do quinto império: A manta de retalhos

Em muitos caso o ensino profissional – temos que o confessar – tem sido um logro e é urgente a sua reforma.

Joaquim Ruivo, professor jruivo2@sapo.pt

O nosso sistema de ensino é comparável a uma manta de retalhos. Puída, desbotada, roída pela traça. Cose-se de um lado, rebenta pelo outro, alisa-se numa ponta, esgaça na outra.

Custa-nos reconhecer esta evidência: a de que a nossa democracia ainda não conseguiu uma reforma do ensino verdadeiramente… reformadora. Depois de Roberto Carneiro e Fraústo da Silva o que nós temos sofrido no ensino básico e secundário são o resultado de idiossincrasias de ministros (e ministras!) que retalhando aqui, remendando acolá, subliminarmente vão colocando o ónus dos fracassos na escola e nos docentes. Opina-se, experimenta-se, remodela-se, avalia-se, inflete-se.

É certo que em 1950 Portugal ainda tinha 45% de analfabetos, tantos como a França e a Irlanda em 1850, tantos como os países nórdicos, a Alemanha e a Inglaterra cento e cinquenta anos antes. É certo que só nos anos 70 o nosso país atingirá níveis de alfabetização menos vergonhosos. Não sei se a nossa sociedade e, por extensão, os nossos representantes políticos, refletem no modo como abordam o ensino e educação os efeitos desse atraso atávico, empobrecedor, limitativo, que nos impede a todos de fazer melhor. A triste verdade é que a pobreza de um sistema educativo é comparável ao pecado original, porque é uma condição inicial que tende a perpetuar-se no empobrecimento das gerações seguintes. Mas até quando necessitaremos desculparmo-nos com o passado para explicar os insucessos do presente?

Exemplo acabado da nossa deriva sem rumo é o ensino profissional. Cheios de boas intenções, aniquilámos nos calorosos anos da revolução de abril o que era bom e estava relativamente bem estruturado (o ensino comercial e industrial), sem repormos modelos alternativos de qualidade. Bastava talvez adaptar o sistema aos novos tempos, modernizar cursos, reajustar currículos, equipar oficinas.

Em muitos casos o ensino profissional – temos que o confessar – tem sido um logro e é urgente a sua reforma. Pelos seus cursos displicentemente se passeiam milhares de formandos sem interesse e motivação – talvez porque sejam cursos mais acessíveis, ou porque são a única opção, ou porque são subsidiados, ou simplesmente porque não há mais nada para fazer. E num sistema que obriga as escolas a repor verbas quando reprovam ou desistem alunos, centenas de docentes lutam até à exaustão para garantir que todos os formandos obtenham o seu diploma, até mesmo os que não manifestam qualquer interesse em aprender.

(texto publicado na edição em papel de 30 de março de 2012)